quarta-feira, maio 30, 2007

OS 12 TRABALHOS

Conheci Ricardo Elias durante o Festival de Cinema de Gramado de 2003. Eu estava trabalhando na cobertura do evento, e Elias participava com o primeiro filme dele, DE PASSAGEM. Era o típico concorrente azarão, que ninguém conhecia nem tinha ouvido falar. Uma história simples - dois amigos atravessando a cidade de São Paulo durante um dia, numa espécie de road movie urbano - e com atores praticamente desconhecidos. Pois de "mais um" ele virou "O" vencedor, levando 5 kikitos: Melhor Filme, Diretor, Ator Coadjuvante (Fábio Nepô), Roteiro e Prêmio da Crítica. Consagração total. Por isso a expectativa ter sido tão grande em relação ao trabalho seguinte dele. E, felizmente, posso afirmar: OS 12 TRABALHOS é superior à DE PASSAGEM!
O cineasta mais uma vez foca seu olhar num grande centro urbano - São Paulo, claro - e da mesma forma, prestando atenção àqueles que vivem às margens dos acontecimentos: desta vez, são os motoboys. Parcela da classe trabalhadora freqüentemente desprezada, seja por um preconceito arraigado - são todos malandros, bandidos ou coisa pior - mas, ao mesmo tempo, muito solicitada - como fazer negócios hoje em dia sem o auxílio desses imprescindíveis "leva-e-traz"? Tendo como base o mito grego dos 12 trabalhos de Hércules, o filme tem como protagonista Herácles (o novato Sidney Santiago, premiado no Festival do Rio 2006 e no CinePE 2007 como Melhor Ator), um jovem recém saído da FEBEM que deve provar, em um dia, ser capaz do emprego num serviço de entregas, enquanto vai se esquivando dos problemas deste cotidiano, como clientes irresponsvéis, colegas de trabalho pouco confiáveis e seus próprios anseios profissionais.
O melhor de OS 12 TRABALHOS é sua história, bastante simples e direta. Ao mesmo tempo, os personagens são reais, verossímeis, com dramas pessoais e ricos em detalhes, contribuinido para a identificação do público com os dilemas por eles enfrentados - quem nunca lutou por um novo trabalho, para ser reconhecido por seus esforços e para vencer adversidades inesperadas com criatividade e um pouco de sorte? Ricardo Elias conduz sua história sem se intrometer no caminho, de forma discreta e sábia. Ele abre espaço, e o enredo e os atores se encarregam do resto, numa sintonia exemplar.
Com participações interessantes de Lucinha Lins, Vanessa Giácomo, Vera Mancini, Cacá Amaral e Cynthia Falabella, OS 12 TRABALHOS conta também com uma boa atuação do gaúcho Flávio Bauraqui (MADAME SATÃ), premiado como Melhor Ator Coadjuvante no último Festival de Recife, o CinePE. Este longa foi premiado também nos festivais de cinema de San Sebástian (Espanha) e de Havana (Cuba). Um competente exemplo do que se está produzindo hoje no Brasil, um filme preocupado socialmente e ainda assim interessante como entretenimento inteligente. Se continuar neste ritmo, Elias tem tudo para ser um dos nomes mais fortes dessa nova geração de cineastas nacionais que está se formando. Que venha mais, e logo!

Os 12 Trabalhos, Brasil, 2006
(nota 7,5)

segunda-feira, maio 28, 2007

BAIXIO DAS BESTAS

O segundo longa-metragem do diretor pernambucano Cláudio Assis exponencia tantos os méritos quanto os defeitos do filme anterior, AMARELO MANGA (2002). Se em sua primeira experiência cinematográfica de desenvolvimento mais elaborado ele conseguiu um resultado muito equilibrado, sem deixar de ser contundente e provocativo, em BAIXIO DAS BESTAS parece ter cedido a um instinto mais inquisidor, revelador e inquieto, deixando a forma do discurso num segundo plano. O que parece verdadeiramente importar são as imagens fortes e as reações provocadas nos espectadores. "Estou aqui para incomodar", afirmou Assis quando lhe perguntei a respeito do que esperava conseguir com este novo trabalho. "Quero que o filme faça as pessoas se mexerem, e que ele fique nas memórias delas. Talvez não mude o modo delas agirem, mas que vai provocar uma reflexão, ah isso vai", completou.
Quando BAIXIO DAS BESTAS foi anunciado como o Melhor Filme do 39º Festival de Cinema de Brasília, no final de 2006, metade da platéia recebeu a notícia com fortes palmas - enquanto os demais também reagiram, registrando uma contrariedade sob enfáticas vaias. Cláudio Assis perdeu o Candango para Helvécio Ratton e seu BATISMO DE SANGUE, mas BAIXIO levou ainda outros5 prêmios: Atriz (Mariah Teixeira), Ator Coadjuvante (Irandhir Santos), Atriz Coadjuvante (Dira Paes), Trilha Sonora e Prêmio da Crítica. Um resultado bastante significativo, que no mínimo indica que, se o filme tem provocado reações diversas no público, junto à crítica especializada - e ao júri oficial do festival - o efeito foi bem intenso. E bastante positivo.
Mas, acima de tudo, esta não é uma obra que busca unanimidade. Afinal de contas, as temáticas abordadas no enredo são, no mínimo, propensas às mais diversas polêmicas. E o modo como são tratadas na tela não facilitam nenhuma possível controvérsia. A trama se divide em várias histórias, compondo um cruel painel da vida no agreste, tendo como foco os que vivem da prostituição - as meninas e seus agenciadores - e os mais assíduos clientes destes, principalmente aqueles chamados de "agroboys", filhinhos de papai endinheirados que estudam nas capitais e que, quando em folga, voltam para as fazendas para barbarizar, sem respeito nem atenção, a comunidade pobre que subsiste ao redor.
Caio Blat, que anda numa fase voltada ao cinema, com este e os ainda inéditos por aqui PROIBIDO PROIBIR e o já citado BATISMO DE SANGUE, é um dos protagonistas, um rapaz irresponsável que pouca atenção dá aos estudos e que só quer saber de torrar a grana dos pais em festas e emoções baratas. Ele acaba se apaixonando por uma garota, quase uma menina, que é prostituída pelo avô, que a cria. E por mais fortes que sejam os sentimentos que ele começa a nutrir por ela, a relação de poder que existe entre os dois falará mais alto. No puteiro do local trabalham mulheres mais descoladas, interpretadas por atrizes como as sempre ótimas Dira Paes e Marcélia Cartaxo (MADAME SATÃ), além de Hermila Guedes, revelada em O CÉU DE SUELY. Um dos líderes dos arruaceiros é Matheus Nachtergaele, que compõe um personagem visceral e inconsequente de assustadora perfeição.
Se o elenco nos apresenta atuações inquestionáveis, está na forma como o diretor conduz sua história que cria as maiores divergências em relação ao filme. Com cenas de gratuita violência e sexualmente explorativas, ele se distancia do objetivo inicial - refletir e questionar - para causar, acima de tudo, repulsa e desprezo. Só que este deveria ser dirigido às ações mostradas, e não ao produto artístico em si. Desse modo, BAIXIO DAS BESTAS permanece longe da audiência, não cumprindo sua função primordial: denunciar e contribuir com uma análise séria e precisa sobre um problema tão freqüente a uma parcela cada vez mais expressiva da nossa sociedade. Claro que um filme não deve ser um tratado social, mas quando ele próprio assume este posicionamento, ao menos que desempenhe corretamente este papel.

Baixio das Bestas, Brasil, 2006
(nota 6,5)

sexta-feira, maio 25, 2007

PIRATAS DO CARIBE - NO FIM DO MUNDO

Este ano de 2007 promete ser marcado pelos excessos. Isso ao menos em relação à temporada mais concorrida cinematograficamente falando, o verão norte-americano, quando se concentram todos os principais blockbusters da temporada. Ainda temos pela frente os novos filmes das franquias "Harry Potter", "13 Homens e um Novo Segredo", "Shrek", "Quarteto Fantástico", "Ultimato Bourne", "A Volta do Todo Poderoso", "Duro de Matar" e "A Hora do Rush", fora as novas promessas "Transformers", "Stardust", "Os Simpsons", "A Bússola Dourada", o musical "Hairspray", "Ratatouille"... ou seja, muita ação, emoções ilimitadas, romance, alegria, diversão e, acima de tudo, entretenimento! Ou será que não? Afinal, as duas primeiras grandes apostas resultaram em imensas frustrações: o irregular HOMEM-ARANHA 3, repleto de altos e baixos, e o simplesmente interminável, chato e cansativo PIRATAS DO CARIBE - NO FIM DO MUNDO.
Eu já não tinha gostado muito do primeiro, o A MALDIÇÃO DO PÉROLA NEGRA, de 2004. Por isso, fui sem a menor expectativa conferir O BAÚ DA MORTE, no ano passado. O que acabou sendo algo bom, porque acabei adorando. Divertido, absurdo, emocionante, ágil, histriônico, hilário, emocionante. Tudo, aliás, que NO FIM DO MUNDO não é. Os realizadores afirmam que os dois filmes, os episódios 2 e 3, foram filmados ao mesmo tempo, em 2005. Pois bem, tudo de bom captado entrou no lançado em 2006, sobrando muita enrolação para o de agora. São inúmeras pontas para serem amarradas, tantas subtramas se desenvolvendo ao mesmo tempo, uma quantidade enorme de personagens com pouco tempo suficiente em cena para despertarem empatia no espectador, que no final das contas o que sobra é um tédio generalizado.
A começar pelo próprio enredo: qual é a história de NO FIM DO MUNDO? Alguns dirão que é a reunião dos antigos heróis para tentar salvar o Capitão Jack Sparrow (Johnny Depp) da morte. Outros, que se trata do encontro dos principais piratas do mundo contra o extermínio desta atividade. Claro que tem também aqueles que apontarão o romance entre Will (Orlando Bloom) e Elizabeth (Keira Knightley) como foco principal. E todos estarão certos, e também incompletos, uma vez que o filme é tudo isso, um pouco mais, e devendo ser bem menos. Com quase três horas de duração, o roteiro dá tantas voltas que lá pelas tantas estamos nos perguntando: "mas o que eles estão fazendo mesmo? o que querem? para onde vão? o que estão procurando? quem precisa ser salvo?" São tantos os exageros que ficamos anestesiados, amortizados, e nem prestamos mais atenção, inertes com as reviravoltas e distanciados, justamente quando o contrário é que deveria estar acontecendo.
Outro problema está nos protagonistas. Afinal, será que ainda não se deram conta de que o personagem principal da série é o Cap. Sparrow? Então por quê Johnny Depp tem menos tempo em cena do que os aborrecidos Orlando Bloom e Keira Knightley? E onde estão os momentos só dele, tão bem explorados em O BAÚ DA MORTE? Desta vez não há nada remotamente similar à fuga dos canibais ou à luta no moinho desgovernado que tanto nos divertiram no episódio anterior. Todo o deslocamento do personagem, as tiradas irônicas, o humor absurdo, as frases de efeitos e demais características que fizeram deste um tipo único parecem ter ficado no passado - agora, quando surgem, estão deslocadas, sem propósito, como linhas decoradas, e não falas interpretadas. E se Depp está inadequado, imagina os demais. Geoffrey Rush, o assustador Capitão Barbossa, virou um mero coadjuvante, quase sem propósito - todo o alvoroço provocado com a aparição dele no final do segundo filme se esvai no ar. O mesmo acontece com o terrível Davy Jones de Bill Nighy, que tanto medo e repulsa causou anteriormente, mas que agora mais lembra um marionete atormentado. Mas ruim mesmo são as duas grandes adições ao elenco: Chow Yun-Fat (O TIGRE E O DRAGÃO), tão alardeado como o pirata mais perigoso do oriente, morre antes da metade do filme, enquanto que a aguardada e comentada participação do roqueiro Keith Richards (integrante da banda Rolling Stones), como pai de Sparrow, além de ser insignificante, leva mais de duas horas para acontecer. Ou seja, assim como quase tudo por aqui, novamente foi muito barulho por nada!
PIRATAS DO CARIBE - NO FIM DO MUNDO não é o fim de uma trilogia. É só o terceiro episódio de uma série que pelo jeito ainda vai longe - o final do filme é quase o início do capítulo 4! A direção desajeitada de Gore Verbinski (que já havia deslizado feio em A MEXICANA) estraga com toda a expectativa criada com o bom desempenho de O BAÚ DA MORTE (um dos únicos 3 filmes da história a faturar mais de um bilhão de dólares das bilheterias mundias). Sem ritmo, com timing desajustado e indeciso entre comédia ou aventura, acaba se mostrando uma profusão vazia de efeitos especiais sem sentido, como se ali estivessem apenas para justificar os 200 milhões de dólares gastos no orçamento. Tão interessante quando um pastel de vento, a primeira saga dos PIRATAS DO CARIBE termina da mesma forma como deve ser participar do próprio brinquedo dos Estúdios Disney que serviu de inspiração para os três longas: começa com um certo arrepio e desconforto, diverte imensamente durante o processo mas termina com um gosto amargo, indeciso entre o "quero mais" e o "ainda bem que acabou".

Pirates of Caribbean - At World's End, EUA, 2007
(nota 5)


sábado, maio 12, 2007

BATISMO DE SANGUE

Filmes que abordam grandes tragédias sociais sempre são bem vindos. Só pela coragem, já partem com alguns créditos no bolso. Porém, justamente por tratarem de temas bastante conhecidos, precisam ter cuidado e originalidade na abordagem, para não parecerem explorativos e/ou repetitivos. BATISMO DE SANGUE, de Helvécio Ratton, escorrega nestes dois quesitos. Mas veja bem: "escorrega", ou seja, passa desajeitadamente por estes limites. Em alguns momentos se sai muito bem. Em outros, deixa muito a desejar.
O filme se passa em São Paulo, fim dos anos 60, quando a repressão militar da ditadura estava cada vez mais forte. Ao invés do agito estudantil (1972), de movimentos organizados (O QUE É ISSO, COMPANHEIRO?) ou de reflexos no mundo civil (ZUZU ANGEL), a parcela da sociedade aqui afetada é um convento de frades dominicanos, que caminhava para se tornar uma trincheira de resistência aos atos do governo. Movidos por ideais cristãos, alguns frades decidem apoiar o grupo guerrilheiro Ação Libertadora Nacional, comandado por Carlos Maringhella. Ao chamar a atenção da polícia, começam a ser vigiados e, conseqüentemente, em seguida são presos. É quando sofrem as mais terríveis torturas, gerando destinos bastante diferentes para cada um dos envolvidos.
Apesar de ser baseado num livro autobiográfico do Frei Betto, não é ele o protagonista de BATISMO DE SANGUE. Tendo como intérprete um dedicado Daniel de Oliveira (CAZUZA - O TEMPO NÃO PÁRA), Betto aqui é quase um espectador, apesar de suas andanças serem também relevantes (como o tempo que passou refugiado no interior do Rio Grande do Sul). No centro da ação, entretanto, está o Frei Tito (Caio Blat, presente também no recente O ANO EM QUE MEUS PAIS SAÍRAM DE FÉRIAS, que abordava o mesmo período histórico, numa interpretação visceral). Ele é o que mais sofre nas mãos dos militares, é o que mais se empenhou para tentar fazer diferença numa época tão complicada para a sociedade brasileira. Foi igualmente o que mais saiu abalado após sua libertação. Exilado na França, acabou se suicidando em 1974.
Premiado no último Festival de Brasília com os candangos de Melhor Direção e Melhor Fotografia, para Lauro Escorel (BYE BYE BRASIL, CORAÇÃO ILUMINADO, VINÍCIUS), BATISMO DE SANGUE é o resultados de dois pesos, duas medidas. Se por um lado o discurso é contundente, com interpretações acima da média (Cássio Gabus Mendes, como um dos torturadores, está impressionante, bem distante do tom cômico por ele empregado em sucessos de público como CAIXA DOIS e TRAIR E COÇAR É SÓ COMEÇAR), por outro o roteiro força muito na intenção de chocar, assumindo um tom panfletário em momentos que o melhor seria ser sutil e contundente com pouco esforço. A mão pesada de Ratton (UMA ONDA NO AR, AMOR & CIA.) também não ajuda muito. A impressão que passa é que o público enfocado é o internacional, ou pior, aquele espectador completamente ignorante do que está se tratando, como se fosse necessário explorar cada imagem violenta, cada gesto revoltante, cada frase de efeito. E, ao invés do menos significar mais, temos o oposto: um grande filme que se perde em exageros e descuidos. Infelizmente.

Batismo de Sangue, Brasil, 2006
(nota 6)



quinta-feira, maio 10, 2007

UM CRIME DE MESTRE

Um é ótimo, e poucos questionam isso. O outro, após um início meio "duvidoso", cada vez mais se confirma como promessa. E há ainda um terceiro, pouco badalado, mas que após uma rápida análise do histórico revela ser mais do que um competente artesão. E é justamente pela união do veterano Anthony Hopkins e do intrigante Ryan Gosling com o quase sempre surpreendente Gregory Hoblit que assistir a UM CRIME DE MESTRE é uma tarefa que no final das contas acaba valendo a pena. Mesmo com tantas variáveis contra.
A "tagline", ou slogan, é uma das piores dos últimos tempos: "matei minha esposa, agora prove!" Pra começo de conversa, a tradução está errada. O original é "I shot my wife, now prove it", ou "eu atirei na minha esposa, agora prove". E isso porque, na verdade, a mulher não está morta. Depois vem o próprio gênero em que o filme se encaixa, um dos mais desgastados do cinemão hollywoodiano, o suspense de tribunal. E por fim está a estrutura do enredo, que abusa de clichês e reviradas previsíveis e bem posicionadas durante o desenvolvimento da trama, propícios para manter a atenção do espectador menos exigente. O roteiro de Daniel Pyne (o mesmo de A SOMA DE TODOS OS MEDOS, UM DOMINGO QUALQUER e SOB O DOMÍNIO DO MAL) apresenta poucas inovações, mantendo-se fiéis aos preceitos mais básicos, sem prejudicar, mas também sem oferecer melhor aproveitamento da interessante idéia inicial.
E qual é o argumento de UM CRIME DE MESTRE? Um homem, ao descobrir que sua esposa - bem mais nova - está lhe traindo, a confronta. A discussão acaba com ele atirando nela à queima roupa. A polícia chega logo em seguida, o desarma e o leva preso, após sua confissão de tentativa de assassinato. Ao ser levado à julgamento, porém, muda o discurso e se declara inocente. Uma investigação revela que a arma do crime desapareceu do local, e o pior: o detetive encarregado do caso era amante da vítima. Caberá a um jovem advogado em plena ascensão desvendar os acontecimentos e provar a culpa do acusado.
Hopkins, vencedor do Oscar pelo emblemático canibal de O SILÊNCIO DOS INOCENTES, parece ter sucumbido ao personagem, apesar de sua presença sempre ser acima da média. Sem muita motivação para novos trabalhos, vem repetindo a mesma performance em diversos longas, como REVELAÇÕES (2003) e EM MÁ COMPANHIA (2002). O mesmo se sucede aqui. Ryan Gosling chamou atenção do público pela primeira vez ao seduzir Sandra Bullock no thriller CÁLCULO MORTAL (2002). Ele, que já foi membro do Clube do Mickey ao lado de Justin Timberlake, na infância, apareceu recentemente em projetos mais interessantes, como TOLERÃNCIA ZERO (2001) e DIÁRIO DE UMA PAIXÃO (2004), além do ainda inédito por aqui HALF NELSON (2006), que lhe valeu uma indicação ao Oscar de Melhor Ator neste ano. Todo o prazer que Hopkins parece ter perdido pela arte da atuação está presente no desempenho de Gosling, um ator que certamente ainda dará muito o que falar. Já Gregoy Hoblit é um diretor que, acredito, vem sendo subestimado. Depois da boa estréia em AS DUAS FACES DE UM CRIME (1996), outro drama de tribunal que revelou o até então novato Edward Norton, seguiu com projetos que, se não estouraram nas bilheterias, ao menos cumpriram à contento seus objetivos, como POSSUÍDOS (1998), ALTA FREQÜÊNCIA (2000) e A GUERRA DE HART (2002). Hoblit está se habituando a tratar temas aparentemente desgastados - suspense sobrenatural, aventura de guerra - com um olhar mais curioso, oferecendo ao seu público uma experiência mais relevante e prazerosa. E, ao lado dos talentos dos seus protagonistas aqui presentes, o bom resultado é quase inevitável. Mesmo com tantos "poréns" durante o caminho.

Fracture, EUA, 2007
(nota 7,5)

terça-feira, maio 08, 2007

HÉRCULES 56

Silvio Da-Rin é um profissional bastante reconhecido no meio cinematográfico nacional. Apesar de ter dirigido o documentário em média-metragem A IGREJA DA LIBERTAÇÃO, sobre o trabalho do Frei Leonardo Boff, em 1985, é muito mais conhecido pelo trabalho que desenvolve no departamento de som, tendo aparecido nos créditos de importantes produções, como MAUÁ - O IMPERADOR E O REI (1999), AMORES POSSÍVEIS (2001), SEPARAÇÕES (2002) e QUASE DOIS IRMÃOS (2004), entre tantos outros. Estava, portanto, mais do que na hora de colocar, novamente, o seu próprio ponto de vista em uma narrativa. Por isso, foi com entusiasmo que os cinéfilos brasileiros receberam a estréia de Da-Rin em longas com HÉRCULES 56, que também segue a veia documental explorada anteriormente em suas manifestações mais autorais.
O episódio aqui enfocado não é estranho àqueles acostumados a apreciar o cinema feito no Brasil. Quem lembra de O QUE É ISSO, COMPANHEIRO? (1997) deve estar familiarizado com a história do seqüestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick, no Rio de Janeiro, em 1969, por um grupo de manifestantes contrários à ditadura militar. HÉRCULES 56 é a versão em documentário deste mesmo episódio. Sem suspense ou fantasias históricas, temos de um lado os organizadores deste ato de terrorismo e manifestação social e, do outro, os diretamente beneficiados pela ação. Ou seja: os ex-presos políticos que foram soltos em troca da libertação do embaixador. E entre estes dois momentos isolados, uma impressionante pesquisa de imagens e arquivos da época.
Da-Rin constrói seu filme de um modo absurdamente simples: reuniu numa mesma mesa todos os sequestradores e os colocou a discutir o assunto. Sem interferências, deixaram o verbo correr e assim revelam fatos surpreendentes, assim como curiosidades ou pequenos detalhes que até tornam pitoresco um fato de dimensão muito mais séria do que a tranquilidade dos envolvidos poderia sugerir. Esta é a metade mais forte, digamos assim. Da outra destaca-se o árduo trabalho de campo executado em busca dos sobreviventes e na reconstituição dos passos destes após terem sido postos em liberdade: embarcaram no avião da Força Aérea Brasileira Hércules 56 e foram extraditados para o México. Dali, seguiram caminhos diferentes, entre os que permaneceram na militância e os que seguiram trilhas mais pessoais. Aqui o foco fica um pouco distorcido, mais preocupado com a veracidade dos fatos do que com a reflexão que poderiam oferecer.
HÉRCULES 56 é uma obra de grande importância no cenário cultural e político nacional. Com depoimentos de Franklin Martins, Flávio Tavares, Vladimir Palmeira e até do ex-chefe da Casa Civil José Dirceu, traça um painel bastante completo de uma jogada relativamente inocente, mas que obteve proporções muito maiores à medida em que se desenvolvia, adquirindo um relevância até hoje marcante. A se lamentar apenas a falta de uma maior profundidade teórica nos discursos. Nada, no entanto, que vá afugentar o espectador verdadeiramente interessado. Tanto que o filme foi premiado pelo júri popular no Festival de Cinema de Campo Grande e, notoriamente, foi escolhido para ser exibido, fora de competição e sob fortes aplausos, no encerramento do último Festival de Brasília.

Hércules 56, Brasil, 2006
(nota 7)



CÃO SEM DONO

O Daniel Galera foi meu colega de faculdade. Ele sempre foi um cara mais na dele, quieto, porém muito simpático e de amigos fiéis. Mas a característica mais marcante dele estava no olhar: algo que revelava uma insatisfação com as opções mais óbvias do mercado de trabalho e uma necessidade de trilhar outros caminhos, explorar possibilidades além daquelas que estavam sendo apresentadas. Criativo e inteligente, usou um dom natural - a habilidade em escrever - para se firmar como um nome forte na literatura nacional atual. E depois de um volume de contos ("Dentes Guardados", Ed. Livros do Mal), partiu para a narrativa longa com o elogiado "Até o Dia em que o Cão Morreu" (que está sendo relançado agora pela Cia. das Letras). CÃO SEM DONO, que está chegando aos cinemas, é a versão cinematográfica, assim como o personagem principal seria uma possibilidade do próprio Galera. Não tive oportunidade de ler o livro ainda. Mas o filme já assisti. E afirmo: é bom. Aliás, muito bom.
Ciro (Júlio Andrade, de O HOMEM QUE COPIAVA, totalmente entregue ao personagem, numa atuação minimalista e intensa) é um jovem recém formado em letras que ganha a vida como tradutor de russo enquanto não decide o que realmente quer fazer. O longa começa no dia seguinte a uma balada, com ele na cama com Marcela (a estreante Tainá Müller, namorada do Galera e muito convincente em suas angústias e dilemas), uma garota que conheceu provavelmente naquela mesma noite. Ele está perdido, ela quer ser famosa. Ele não vê porque sair da cama, ela quer viajar e conhecer o mundo. Estranhos um ao outro, aos poucos vão se conhecendo, se entregando, se revelando. E o distanciamento afetivo diminui progressivamente, até o momento em que fica em sintonia com o físico. Mas a paixão que surge não será convencional - afinal, o mundo não é fácil. E a questão é: conseguirão eles encontrarem a si próprios para, quem sabe juntos, construírem uma história única?
Como testemunha ocular desta relação está o cachorro Churras. Vira-lara, um dia resolveu seguir o rapaz até o apartamento em que este vivia e por ali ficou, sem pedir nem exigir nada em troca. Apenas um pouco de atenção e alimento. Questionado sobre o suposto "comportamento" que o dono de um animal de estimação deve seguir, Ciro afirma sem hesitar: "não sou 'dono' dele. sou amigo!" Nesta sentença está a chave da trama: ninguém é de
alguém, ninguém pertence a um outro. Somos sozinhos, e podemos - ou não - estar acompanhados. Mas assim como ali está, a companhia pode se ir num estalar de dedos. Cabe ao destino, e, acima de tudo, ao desejo dos envolvidos, fazer de dois um par.
Beto Brant chega com CÃO SEM DONO ao seu quinto filme, após os comentados OS MATADORES (1997), AÇÃO ENTRE AMIGOS (1998), O INVASOR (2002) e CRIME DELICADO (2005). Este, porém, é o primeiro em que divide os créditos de diretor com seu parceiro Renato Ciasca. Os dois foram colegas no curso superior de cinema, e trabalharam juntos pela primeira vez no curta AURORA (1987), premiado nos festivais de Brasília e Gramado. Apesar de sempre terem colaborado um com o outro, só agora Ciasca assume essa posição. E o resultado é um longa menos pretensioso estilisticamente, mas com grande impacto emocional. A insatisfação do protagonista se reflete na tela, porém sem entediar o espectador, que acompanha a evolucão dos acontecimentos não distanciado, mas envolvido nos pequenos dramas destes cotidianos, tão simples e universais quanto os que nós mesmos enfrentamos seguidamente.
Grande vencedor do último Cine PE - Festival do Audiovisual, em Pernambuco, CÃO SEM DONO levou os calungas de Melhor Filme segundo o júri oficial e de acordo com a crítica, além do de Melhor Atriz, para Müller. Não sei se foi um resultado justo - não assisti todos os demais concorrentes - mas não há quem possa afirmar que não seja merecido.
Co-produzido entre São Paulo e Rio Grande do Sul, filmado inteiramente em Porto Alegre com equipe e elenco gaúcho, é um bom exemplo do quão positiva pode ser a parceria entre pólos criativos aparentemente distantes, mas poucas vezes antes tão próximos cinematograficamente falando. Com diálogos geniais - talvez a maior das qualidades do filme - e atuações muitos convincentes, seja pela verossimilhança das situações ou pela naturalidade dos personagens, CÃO SEM DONO não quer mudar o mundo nem transmitir uma grande mensagem: apenas mostra uma verdade constante e presente, sem panfletagem ou didatismo. Algo tão simples, mas que faz um mundo de diferença.

Cão Sem Dono, Brasil, 2007
(nota 8)




sexta-feira, maio 04, 2007

HOMEM-ARANHA 3

Quando um filme chega aos cinemas com tanta expectativa, como é o caso de HOMEM-ARANHA 3, é muito mais fácil prestarmos atenção aos seus supostos "defeitos" do que às virtudes apresentadas. Claro, porque já entramos na sala escura considerando-o o "melhor de todos, espetacular, insuperável". Porém, cada "percalço" soma direto na decepção, no desânimo e na frustração.
Dito isso, é importante ter algo em mente: HOMEM-ARANHA 3 é bom. É muito bom. Mas é inferior aos capítulos anteriores da trilogia e a outros filmes de heróis dos quadrinhos recentes, como X-MEN 3, X-MEN 2 e BATMAN BEGINS, por exemplo. Tendo esclarecido esta questão, vamos adiante.
Cada aventura cinematográfica de Peter Parker é como uma história independente de gibi, com início, meio e fim. No primeiro ele adquiriu seus poderes, enfrentou o Duende Verde (o pai do melhor amigo, um cientista que enlouquece após uma experiência mal-sucedida) e presenciou uma tragédia familiar: a morte do tio que o criara. No segundo, assume sua condição de herói para a mulher que ama e declara seu amor, tem sua identidade secreta revelada e ganha um novo inimigo: o Doutor Octopus, outro cientista enlouquecido. Agora, neste terceiro episódio, a situação é ligeiramente diferente: Homem-Aranha(Tobey Maguire, com a mesma cara de "nada" de sempre), após salvar a cidade em duas ocasiões, é admirado e reconhecido por toda a população. Esse excesso de segurança vai interferir nas suas relações pessoais, como com a namorada (Kirsten Dunst, visualmente desmotivada) e ao lidar com novos inimigos: a aparião do novo Duende (James Franco, que visualmente funciona, apesar das limitações interpretativas que possui), o Homem-Areia (Thomas Haden Church, de SIDEWAYS, convincente) e um rival no trabalho, Eddie Brock (Topher Grace, da série "That 70's Show", o mais empolgado), que posteriormente irá se transformar no assustador Venom.
HOMEM-ARANHA 3 persiste no molde desenhado nos filmes anteriores: o grande personagem é mesmo o homem por trás da máscara. O que importa, portanto, são as motivações deste, como chegou a ser o que é hoje e como lida com as desilusões e conquistas do caminho. Esta nada mais é do que uma história de pessoas carentes, em busca de orientação e auxílio. Parker sente a falta do tio, Mary-Jane (a namorada) quer um amor verdadeiro, Harry (o melhor amigo) procura um culpado pela morte do pai, Flint Marko (Homem-Areia) quer ajudar a filha doente, Eddie Brock busca reconhecimento pessoal e profissional. Com tantos necessitanto de atenção, será quase impossível para o diretor Sam Raimi (o mesmo nos três filmes) e para o público espectador se dividir de forma equilibrada.
Cenas de ação espetaculares, efeitos especiais de última geração, atores que entendem e defendem seus personagens com amor e dedicação: tudo está presente! Quais são, então, os defeitos? Bem, eles existem, e são muitos. O principal, que talvez englobaria todos os demais, é, no entanto, um só: o excesso. Assim como aconteceu no final da franquia anterior de Batman (BATMAN & ROBIN, 1997), há gente demais em cena. Tá certo que o novo Duende deveria aparecer, afinal o arco dele é o único que começou no primeiro filme e que merecia um encerramento. Mas Homem-Areia (um dos vilões clássicos, ainda da década de 60 nas hq's) e Venom (uma bobagem surgida nos anos 90), juntos? Toda a verossimilhança perseguida nos filmes anteriores vai por água abaixo com estes dois. Afinal, um aparece ao tropeçar num buraco e ser atingido por uns raios (onde estava a segurança do lugar? seria possível uma experiência dessas ser tão mal cuidada?) e o outro simplesmente cai dos céus, como um alienígena enraivecido. O legal seria apenas o primeiro, que até aparece na trama após uma tentativa de justificar seus motivos, mas melhor desenvolvido, com mais tempo em cena. Do outro, o único acréscimo interessante que oferece é idéia do lado negro do herói (já explorado com muito mais sucesso em outra saga, STAR WARS), mas este é um argumento que, infelizmente, é muito mal desenhado.
Outro sinal do exagero é o acréscimo da família Stacy: o capitão de polícia (James Cromwell, de A RAINHA, inexpressivo), e sua filha, Gwen (Bryce Dallas Howard, de A DAMA NA ÁGUA, perdida). Muito importantes nos gibis, os dois têm presenças pálidas no filme. Gwen, por exemplo, deveria servir para realmente abalar a relação Peter/Mary-Jane: ou se oferecendo para o protagonista, ou despertando o interesse romântico do herói. Mas o que vemos não é nem uma coisa, nem outra. E, sem função maior, sua existência acaba se revelando um constrangimento para os fãs e um desperdício para os curiosos.
E, por fim, temos a falta de ritmo do roteiro. Desenvolvido pelos irmãos Sam e Ivan Raimi, com o auxílio do vencedor do Oscar Alvin Sargent, o enredo se perde entre as diversas opções apresentadas. Há o momento "sou o favorito da cidade", para depois seguir com o "emo-herói abandonado em busca de vingança" e terminando com o "bom moço que salva todo mundo e ainda conquista a mocinha". Os vilões não são "maus" o suficiente, e nenhuma ameaça chega verdadeiramente a assustar. A principal antítese, Venom, é um ser amorfo e desprovido de maiores características, tornando quase impossível se criar qualquer relação - antipatia ou simpatia - com ele. E, quando surge a indiferença, o erro é quase irrecuperável.
HOMEM-ARANHA 3 é, apesar de tudo, um grande filme, e abre bem a temporada de blockbusters norte-americanos. Mas, aquele que deveria ser o prato principal, dificilmente será mais do que um aperitivo (diante dos novos PIRATAS DO CARIBE, HARRY POTTER e SHREK, por exemplo). O boca-a-boca não deverá ser tão positivo, e somente os mais fanáticos irão conferir na sala escura este longa mais de uma vez. Não que encerrará a carreira cinematográfica do personagem, mas que ao mesmo sirva como alerta para os próximos filmes: assim como na vida real, no cinema também, em muitos casos, "menos" significa "mais"!

Spider-Man 3, EUA, 2007
(nota 7,5)