quarta-feira, fevereiro 28, 2007

BREAKING AND ENTERING

Tem um ditado que diz: "um passo para trás, às vezes, não significa necessariamente um retrocesso; pode ser, sim, o movimento preciso no sentido de criar impulso para seguirmos em frente". E este pensamento parece se aplicar perfeitamente ao novo trabalho do premiado diretor Anthony Minghella, BREAKING AND ENTERING (que provavelmente se chamará no Brasil "Invasão de Domicílio", enquanto que em Portugal foi batizado mais apropriadamente como "Assalto e Intromissão"). Apesar de ser bem menos ambicioso que os últimos longas dele, tem resultados artísticos superiores. Um elenco excelente, uma direção cuidadosa e nunca intrometida e uma boa história são mais do que suficientes para entregar ao público uma obra que merece ser descoberta.
Ao contrário dos épicos O PACIENTE INGLÊS (que lhe valeu o Oscar) e COLD MOUNTAIN, em BREAKING AND ENTERING Minghella procura um caminho mais ousado e perverso, com protagonistas de personalidades difusas e com subtramas nada fáceis ao espectador preguiçoso, que espera que tudo seja disposto na tela de mão beijada. Aqui se exige esforço, dividindo com a audiência a tarefa de entender e analisar as ações, sem porém a necessidade de um julgamento moral. O que vemos são pessoas comuns, com seus problemas e angústias, envolvidas em situações igualmente ordinárias, mas que quando vistas com cuidado revelam mais do que as conclusões óbvias podem oferecer.
Assim como em O TALENTOSO RIPLEY (ainda o melhor filme do cineasta na minha opinião), este novo longa se baseia basicamente na força dos atores e na precisão certeira do enredo em atingir a visão proposta. Para não ter margem de erro, Minghella chamou dois antigos colaboradores, Jude Law (visto tanto em RIPLEY quanto em MOUNTAIN, e indicado ao Oscar pelas duas atuações) e Juliette Binoche (premiada com o Oscar por O PACIENTE INGLÊS). Os dois, em desempenhos impecáveis, aparecem ao lado de uma intensa Robin Wright Penn (FORREST GUMP), formando um trio acima de qualquer suspeita.
Law e Penn são um casal em crise. Ele é um arquiteto bem sucedido, que recém abriu sua firma. Ela abandonou o trabalho para cuidar da filha, que possui uma estranha e rara doença. A menina, apesar de não ser dele, recebe tanta atenção quanto se fosse sua. Mesmo assim, mãe e filha compõem um mundo muito particular, excluindo-o com uma força crescente. Quando o novo escritório passa a ser arrombado regularmente, ele decide permanecer à noite como vigia, escondido dentro do carro, para ver quem está lhe causando tanto prejuízo. Quem ele encontra é um garoto habituado a escalar prédios. Pego no flagra, o rapaz foge em disparada. Mas a perseguição tem fim em frente ao condomínio onde mora com a mãe (Binoche), uma exilada da Bósnia, que tenta criar sozinha o filho, visto a ausência paterna. O arquiteto decide investigar com calma o que acontece ali, e antes que perceba estará envolvido romanticamente com a mãe do pequeno delinquente. Mas quando ela descobrir as primeiras intenções dele, será capaz de tudo para defender a honra familiar.
Se o modo como os personagens parecem interagir entre si soa um pouco forçado, na tela tudo discorre numa convincente naturalidade. É totalmente compreensível que Law, mesmo apaixonado pela própria mulher e por aquela família em que insiste em fazer parte, acabe se envolvendo com uma outra pessoa, certamente menos atraente a ele tanto intelectual quanto fisicamente, porém capaz de lhe oferecer algo que carece, a oportunidade de ser importante para alguém. Tal relação está fadada ao fracasso desde o início, mas acreditamos na sua veracidade e apostamos no sucesso da empreitada, mesmo sabendo que esta é uma rota sem saída. A conclusão, entretanto, tão dolorida quanto precisa, é um arroubo de realidade que nos joga de volta à sociedade como a conhecemos, com méritos e defeitos, mas acima de tudo feita a partir das decisões que tomamos diariamente.
Anthony Minghella, também autor do roteiro, faz de BREAKING AND ENTERING um curioso, pertinente e sagaz estudo do comportamento humano e das relações que se formam entre vítimas e heróis, privilegiados e carentes. Lançado internacionalmente no final do ano passado, passou injustamente em branco pelas grandes premiações, tendo conseguido apenas três indicações ao British Independent Film Awards (Atriz, para Binoche e Penn, e Revelação, para Rafi Gavron, que interpreta o filho de Binoche). Isso, somado ao desempenho ínfimo nas bilheterias (menos de um milhão de libras na Inglaterra e pouco mais de 300 mil dólares nos Estados Unidos), fará com que esta pequena preciosidade saia de circulação muito antes de ter tido uma chance de o público descobri-la. Com sorte, entrará em cartaz no Brasil. E mais felizardo será aquele que for atrás com o intento de desfrutá-la em todo o seu potencial. Qualquer esforço será mais do que compensado, pode apostar.

Breaking and Entering, Reino Unido/EUA, 2006
(nota 9)

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