
quarta-feira, setembro 09, 2009
'Cidade de Deus' no Top 20

domingo, março 23, 2008
O PREÇO DA CORAGEM

Os méritos de O PREÇO DA CORAGEM começam na escolha do diretor: o inglês Michael Winterbottom, reconhecido por obras políticas como O CAMINHO PARA GUANTANAMO (2006), CÓDIGO 46 (2003), NESTE MUNDO (2002) e BEM-VINDOS A SARAJEVO (1997). E ele mostra todo o seu domínio na forma como conduz esta história verídica, baseada no livro escrito pela jornalista francesa Marianne Pearl, que viu seu marido, o norte-americano Daniel Pearl, ser sequestrado e brutalmente assassinado enquanto cobria os conflitos do Paquistão para o Wall Street Journal. Isso aconteceu em janeiro de 2002, e a notícia correu o mundo todo, chegando inclusive aos ouvidos do casal de atores Brad Pitt e Jolie. E foram eles que decidiram que esta tragédia não poderia morrer assim, e que merecia ser levada a um público maior, como forma de anúncio e protesto. Assim, com ela como protagonista e ele como produtor, chegaram até Winterbottom, que tomou para si a missão de transformar aquela série de acontecimentos num enredo forte, chocante, envolvente e, acima de tudo, real. Tão duro quanto a própria vida.
Daniel (interpretado de forma muito convincente por Dan Futterman, visto em filmes como BIRDCAGE - A GAIOLA DAS LOUCAS e indicado ao Oscar pelo roteiro de CAPOTE) foi fazer uma última entrevista antes de terminar seu trabalho no dia 23 de janeiro. Esta é a data oficial do seu desaparecimento. A partir de então o governo do Paquistão, dos Estados Unidos, o Wall Street Journal, a CIA, a polícia local e ONGs internacionais se uniram para tentar uma solução pacífica para o caso. Infelizmente, isto não foi possível. Como este desfecho é mais do que conhecido, o diretor sabiamente não procura fazer disto um mistério. O que nos ganha é o modo sério como este desenrolar de ações é relatado, numa edição inteligente e não cronológica, como peças de um grande quebra-cabeças que vão sendo colocadas ao pouco na nossa frente, para que completamos o trabalho montando-o segundo nossa lógica. Processo muito similar ao que os envolvidos devem ter se confrontado naqueles dez fatídicos dias de suspense e tensão. Assim, O PREÇO DA CORAGEM só cresce, seja se pensarmos nele como obra cultural ou debate sociológico.
O mundo é um lugar repleto de contradições. A forma como Marianne Pearl encarou esta tragédia é mais uma dessas. O tempo todo ela permaneceu honesta ao que seu coração sentia, aos ideais que ela e Daniel sempre acreditaram e a uma visão de mundo justa e equilibrada. Pode parecer loucura algumas de suas decisões, atitudes ou sentimentos. Mas não teriam como ser diferentes. Mais do que uma emocionante história de amor, este é o relato, como diz o título original, de um coração de muito valor, disposto a encarar as durezas da vida de cabeça erguida e ainda seguir procurando por algo que mereça ser parabenizado. Assim como deve ser a impressão de qualquer um de nós após assistir a este filme: com respeito e a consciência de ter recebido uma lição que não deve ser esquecida.
A Mighty Heart, EUA / Reino Unido, 2007
(nota 8,5)
quarta-feira, março 12, 2008
10.000 A.C.

Em 10.000 A.C., somos levados até a pré-história e colocados diante da saga de um homem destinado a se tornar o herói do seu povo. O filme começa bem, com bons efeitos – a manada de mamutes é muito bem feita, tecnicamente e contextualmente. Mas logo tudo descamba para ser "mais do mesmo". As referências são as mais óbvias possíveis: JURASSIC PARK, APOCALYPTO, KING KONG e todas as demais produções do gênero são recicladas aqui, sem muita originalidade ou ousadia. O esquema videogame é seguido à risca, e o fato de estarmos numa outra era é apenas um pretexto de marketing – e não um aliado na missão de conquistar a audiência. Assim, logo estamos nos perguntando o porquê do título, para em seguida voltarmos a nos questionar até quando o cinema norte-americano seguirá fazendo sempre os mesmos filmes, com as mesmas histórias.
O ritmo da narrativa é lento, o roteiro é simplista e pouco elaborado, a direção de arte é das mais artificiais possíveis, a maquiagem chega a ser constrangedora, e os atores estão no nível mais baixo da mediocridade. Nada que é mostrado chega a ser minimamente convincente. Em poucas palavras, o filme mostra um garoto tendo que liderar alguns poucos guerreiros numa jornada em busca de outros membros de sua tribo que foram seqüestrados por invasores. No caminho, enfrentam ameaças pré-históricas, como um tigre dente-de-sabre (extremamente falso, a ponto de ser risível, conseguindo ser pior até do que o leão de AS CRÔNICAS DE NÁRNIA) e aves monstruosas (numa seqüência idêntica ao ataque dos velociraptores em O PARQUE DOS DINOSSAUROS). No final o perigo que eles estão enfrentando passa a ser representado por seres que se assumem como divindades, e precisam de mais escravos para a construção das pirâmides. Deu pra sentir o tom de salada geral?
Os protagonistas são Steven Strait (O PACTO), um rapaz esforçado e com físico de super-herói, porém sem o menor carisma ou empatia, Camilla Belle (O MUNDO DE JACK E ROSE), filha de uma modelo brasileira, uma garota tão linda quanto inexpressiva, e Cliff Curtis (ENCANTADORA DE BALEIAS), o mais conhecido do elenco, porém com poucas chances debaixo de uma caracterização horrorosa. Emmerich, que além da direção assina também o roteiro e a produção, não foge do que já está acostumado a fazer. E se a batalha final chega a emocionar por alguns rápidos momentos, a conclusão não poderia ser mais clichê. Se você já assistiu a todos os concorrentes ao Oscar em cartaz e quer passar duas horas no cinema com muita pipoca e refrigerante, sem pensar em mais nada, não desista: tenho certeza que irá encontrar melhores opções do que este 10.000 A.C.!
10.000 b.C., EUA/Nova Zelândia, 2008
(nota 4)
quinta-feira, fevereiro 07, 2008
CONDUTA DE RISCO

Tony Gilroy afirmou ter tido a idéia para CONDUTA DE RISCO enquanto pesquisava para o roteiro de O ADVOGADO DO DIABO (suspense com Al Pacino e Keanu Reeves). E, ainda segundo ele, a diferença entre os filmes está na representação do "bem" e do "mal": se no anterior estes pólos estavam marcados pelos dois protagonistas, neste novo trabalho estas manifestações convivem dentro de um mesmo homem, no caso o que dá o título original: Michael Clayton (George Clooney). Advogado frustrado, ele está "preso ao sistema". O casamento naufragou, a tentativa de negócio próprio foi à falência e não consegue abandonar o vício pelo jogo. Assim, precisa manter o emprego como "limpa-desastres" de um dos principais escritórios de Nova York. Quando ele é chamado para "consertar" as loucuras que um dos clientes da firma está cometendo, finalmente percebe o homem que se tornou e o quão difícil será superar aquela situação.
Raras vezes um filme deste gênero consegue ir além do respeito imóvel da crítica e atingir não só o público (mais de 40 milhões de dólares só nos EUA, apesar do baixo orçamento ter ficado em torno de 25 milhões) como também se fazer presente nas premiações de final de ano. E nisso CONDUTA DE RISCO também se saiu muito bem! Além das sete indicações ao Oscar (Filme, Direção, Ator, Ator Coadjuvante, Atriz Coadjuvante, Roteiro Original e Trilha Sonora), foi indicado também nas principais categorias do Globo de Ouro e do Bafta, além de ter ganho o National Board of Review de Melhor Ator. Clooney, aliás, mostra de vez que mais do que uma celebridade, é também um dos melhores intérpretes da atualidade. Seu desempenho é muito superior ao visto no oscarizado SYRIANA (2005) ou de outros bons trabalhos dele, como SOLARIS (2002) e E AÍ, MEU IRMÃO, CADE VOCÊ? (2000). Ele está cansado, desiludido, perdido, porém não derrotado, e segue usando das ferramentas que ele mesmo ajudou a criar, com uma habilidade e eficiência inatas ao personagem. Um baita ator!
Da mesma forma os coadjuvantes Tom Wilkinson (ENTRE QUATRO PAREDES) e Tilda Swinton (AS CRÔNICAS DE NÁRNIA), ambos indicados ao Oscar, também estão à altura de qualquer maior reconhecimento. Com apenas uma cena cada um merece todo possível elogio: o descontrole dele ou a conversa final dela com Clayton são memoráveis. E isso sem mencionar Gilroy, diretor que estréia com pé direito após alguns anos apenas como roteirista (são dele os três filmes da trilogia BOURNE). Seu controle é total, alternando momentos de tensão e um ritmo sufocante com personagens bem construídos e dotados de profundidade psicológica - nós sentimos os dilemas e as crises enfrentadas por cada um deles. Assustador!
Provavelmente CONDUTA DE RISCO sairá da festa do Oscar sem nenhuma estatueta. Torço para estar errado, no entanto. Este não é o tipo de filme usualmente reconhecido neste ambiente. E não que isso importe. Seus méritos jão estão mais do que evidentes na tela, e é lá onde devem ser apreciados com toda a pompa e circunstância que merecem!
Michael Clayton, EUA, 2007
(nota 9)
domingo, janeiro 20, 2008
EU SOU A LENDA

Desde os anos 70 diferentes estúdios em Hollywood desejavam refilmar o romance de Richard Matheson, que já havia sido levado às telas anteriormente em duas ocasiões. Nomes como Arnold Schwarzenegger, Ridley Scott, Michael Douglas, James Cameron, Guillermo Del Toro e Michael Bay chegaram a estar envolvidos neste projeto, mas nenhum conseguiu ir muito adiante. Só quando o protagonista de filmes como HOMENS DE PRETO e INDEPENDENCE DAY disse "sim" é que finalmente as coisas começaram a andar. E do modo como ele decidiu: o diretor escolhido foi Francis Lawrence (CONSTANTINE) e o roteirista escalado foi o vencedor do Oscar Akiva Goldsman (UMA MENTE BRILHANTE). E tudo isso para contar a história do último homem na Terra. Que, como já adianta o cartaz, não está sozinho!
A trama de EU SOU A LENDA começa com uma notícia fantástica - a descoberta da cura do câncer, feita por uma pesquisadora inglesa (Emma Thompson, em participação especial). O problema começa seis meses depois, quando descobre-se que esta vacina gera efeitos colaterais - um novo vírus, que acaba transformando 99% da população mundial em seres monstruosos sensíveis à luz, quase como vampiros, o que termina ocasionando a morte da grande maioria da humanidade. Os que sobrevivem estão sempre escondidos, esperando o sol se pôr para se alimentar vorazmente de animais ou dos poucos sobreviventes biologicamente imunes e, portanto, não infectados. Will é uma dessas pessoas, que por acaso vem a ser também um cientista, desde então empenhado em encontrar uma cura para este mal terrível.
Durante dois terços do filme Will Smith está sozinho em cena, acompanhado apenas do pastor alemão Sam. E, por incrível que pareça, ele segura muito bem a atenção da platéia, nos deixando ligados em cada movimento seu, desde a nova rotina em casa até suas saídas pela cidade devastada. O perigo está em cada esquina, em cada viela escura, em cada prédio abandonado. E somos sabiamente relembrados disso a todo instante. O que não quer dizer que não sejamos pegos de surpresa a cada novo susto. No restante final da história dois outros sobreviventes imunes aparecem - entre eles, a atriz brasileira Alice Braga, sobrinha de Sônia Braga e presente em filmes como CIDADE DE DEUS e CIDADE BAIXA. E a menina se sai muito bem, assumindo sua brasilidade, porém sem estereótipos constrangedores ou um sotaque carregado.
Não deixa de ser curioso um filme em que a grande vilã acaba sendo Emma Thompson e que o mundo é salvo graças a ajuda de uma brasileira. E, apesar desta bizarra conjectura, EU SOU A LENDA é diversão das boas, cinema-pipoca de qualidade, cheio de bons efeitos especiais, atores competentes no domínio de suas habilidades e uma trama que se não surpreende, ao menos não aborrece pela obviedade. Uma ótima pedida para esse período de férias. Basta apenas não exigir além da conta. Afinal, Smith sempre cumpre o que promete!
I am Legend, EUA, 2007
(nota 7)
domingo, janeiro 06, 2008
IMPÉRIO DOS SONHOS

E acredito também que a idéia seja exatamente esta: provocar muito mais dúvidas do que esclarecimentos. Para se ter uma idéia, durante uma entrevista a um programa de televisão, Lynch e Laura Dern, a protagonista, não conseguiram chegar a um acordo a respeito de quantos papéis ela própria interpreta no filme, se três ou quatro. Bem, se nem eles, que idealizaram o longa, conseguem se entender, o que sobra para nós, meros espectadores?
IMPÉRIO DOS SONHOS começa com uma garota assistindo a um programa na televisão. Parece ser um sitcom - um único cenário, claquetes com risadas da platéia - em que os personagens são seres humanos com cabeças de coelhos. Logo em seguida estamos na majestosa residência de uma atriz aparentemente famosa, que está em vias de voltar ao estrelato por conseguir um papel bastante disputado. É o remake de um filme que não chegou a ficar pronto, sobre uma família polonesa assassinada. Os protagonistas do filme original morreram durante a produção, e tem-se este temor que o mesmo aconteça durante as novas filmagens. Um grupo de prostitutas também pontua algumas situações, assim como uma mulher que está contratando um detetive particular. Ah, e há também uma família que recebe uma trupe de viajantes da Europa oriental para um churrasco no jardim (!).
Qual a relação entre todas estas histórias? Aparentemente, nenhuma. Por outro lado, talvez todas estas tramas revelem facetas de uma mesma mulher. A atriz decadente que revive o papel de uma estrela de outrora que está trazendo à vida uma sofrida dona de casa polonesa que suspeitava que o marido a estava traindo e que por isso ansiava por ter uma vida familiar tranquila e perfeita e que, pela ausência dessa realidade, imagina-se prostituindo-se em troca de um pouco de atenção e, pela inevitabilidade disto, termina de forma trágica. Ou então seria a vizinha que aparece no começo do filme a verdadeira protagonista, a imigrante da Polônia responsável por todas aquelas tragédias e que manifesta-se naquele momento para alertá-la dos perigos que estaria prestes a correr? Muitas interpretações mais certamente são possiveis, e quem se dedicar a procurar não terá dificuldades em encontrar argumentos e elementos que colaborem nestas outras posições. IMPÉRIO DOS SONHOS é uma obra literalmente aberta, e caberá ao espectador e ao seu universo de referências montar - ou não - este quebra-cabeças.
Premiado no National Board of Review como "Melhor Filme Experimental" do ano (prêmio até então inédito) e merecedor de um prêmio especial no Festival de Veneza "pela inovação digital proposta em sua concepção", IMPÉRIO DOS SONHOS, ao contrário de outros filmes de David Lynch, praticamente não possui dentro de si chaves que possibilitem um melhor entendimento. Hermético e bizarro, se comporta como os sonhos mais confusos e problemáticos que temos, indo do pesadelo ao descanso total em questão de instantes, para depois retomar condições até então esquecidas. Dern, a grande estrela da obra, se entrega de corpo e alma à visão aparentemente desconexa do diretor, aceitando todas as propostas de forma integral. Cada mudança dela é tão intensa quanto discreta, mostrando que é no interior de cada um onde se escondem os verdadeiros medos e desejos. E quem quiser embarcar nesta viagem não deve temer os bocejos, a frustração e a incompreensão, assim como deve estar pronto para os pequenos prazeres dispostos aleatoriamente durante o desenrolar da ação. Ganha quem aceitar mais - e procurar entender menos!
Inland Empire, EUA, 2006
(nota 5)
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