quinta-feira, janeiro 03, 2008

A BÚSSOLA DE OURO

Em A BÚSSOLA DE OURO, assim como em outros casos recentes (HARRY POTTER E A ORDEM DA FÊNIX, NOTAS SOBRE UM ESCÂNDALO, TROPA DE ELITE), tive a felicidade de ler primeiro o livro original antes de ver a adaptação cinematográfica. E, ao contrário do que geralmente acontece, desta ver o filme se saiu melhor do que a fonte literária - por mais incrível que isso possa parecer! Sim, porque a obra de Philip Pullman, por mais elogiada ("arrebatador e extraordinário", Sunday Times; "grandioso, força e beleza cena após cena", New York Times; "um daqueles livros que dão dor de fechar", Scotsman; e o mais exagerado, "raramente, se é que já aconteceu, foi apresentado aos leitores uma oferenda tão rica em maravilhas", Independent) e premiada (ganhador das medalhas Carnegie e Guardian de Livro do Ano) que seja, tem aspectos extremamente duros e de difícil digestão, que ao serem levados para a tela grande foram atenuados de uma forma inteligente e perspicaz. Não que tenha mudado muita coisa - a trama em si continua exageradamente trágica - mas ao menos aparenta estar mais adequada ao público ao qual se dirige.

E que espectador seria esse, o mais indicado para assistir - e ler - A BÚSSOLA DE OURO? Bem, segundo os produtores, à princípio seriam os mesmos que ficaram maravilhados pela saga O SENHOR DOS ANÉIS - e, em menor escala, por genéricos como AS CRÔNICAS DE NÁRNIA, ERAGON ou STARDUST. Porém o enredo aqui abordado trata muito mais de política, religião e filosofia do que de aventura e emoção propriamente dita, dispostos durante o desenrolar da ação de modo irregular. Não será surpresa alguma se muitos enfrentarem as quase duas horas de projeção alternando bocejos com pulos na cadeira!

O diretor Chris Weitz não parece ser o homem mais indicado para coordenar um filme deste gênero. Responsável pelos simpáticos AMERICAN PIE e UM GRANDE GAROTO, ele deixa bastante visível sua falta de jeito diante cenários tão grandiosos, estrelas poderosas e idéias dotadas de ambição e magnitude. Os efeitos especiais, por outro lado, não chegam necessariamente a surpreender, mantendo ao menos o bom nível de longas mais antigos que exploraram opções semelhantes - animais falantes, grandes batalhas e explosões catastróficas. Por fim temos bons atores em papéis minúsculos - Nicole Kidman, excelente, deve aparecer, se tanto, meia hora, enquanto que Daniel Craig e Eva Green não possuem mais do que 10 minutos cada um em cena. A - boa - surpresa é a garota Dakota Blue Richards, que estréia no cinema já como protagonista, cumprindo a contento suas obrigações e ainda acrescentando uma graça e um carisma dignos de quem promete muito para o futuro.

E qual é a história, enfim, de A BÚSSOLA DE OURO? Num mundo dominado pelo "Magistério", uma entidade religiosa controladora e opressiva, poucos ambientes estão a salvo deste poder, e um deles são as universidades. E é numa das mais importantes que a menina Lyra foi entregue para ser criada. Sem saber quem são seus pais, certo dia, pouco antes de entrar na adolescência, ela é entregue para a misteriosa Sra. Coulter (Kidman), uma das mais influentes personalidades à serviço do Magistério. Ao descobrir que sua nova tutora estaria por trás do desaparecimento de dezenas de crianças, se rebela e foge. Neste mundo todos os humanos - crianças e adultos - têm sempre ao seu lado um "daemon", animais falantes que seriam, na prática, a representação material da alma. Um nunca pode ser separado do outro - um eventual afastamento teria proporções trágicas para ambos. E a ligação entre eles seria proporcionada pela existência do Pó, substância mágica que, acredita-se, seria responsável pelo "pecado original". O que o Magistério quer é descobrir um meio de acabar com o Pó - e, para isso, experiências devem ser feitas, geralmente envolvendo crianças, daemons e o fim da ligação entre eles. Com a ajuda de ciganos, de um cowboy voador, das bruxas e de um urso guerreiro, Lyra, dotada de uma bússola mágica que sempre lhe oferece a verdade independente da pergunta feita, irá ao Norte gelado para tentar por fim a esta barbaridade - e, assim, salvar seu melhor amigo!

A BÚSSOLA DE OURO é cinemão fantástico, feito para ser assistido no cinema com muita pipoca e refrigerante. Mas também trata de temas como autoritarismo, selvageria, traições, soberba e vingança. Talvez tenha sido por causa dessa combinação pouco usual que o filme não tenha se saído tão bem quanto se esperava nas bilheterias norte-americanas - pouco mais de US$ 50 milhões de dólares em um mês em cartaz, para um orçamento de US$ 180 milhões! Nos mercados internacionais os resultados foram um pouco melhores, ultrapassando o dobro do arrecadado na terra do Tio Sam. Prejuízo provavelmente não irá gerar, mas é pouco provável que continue se apostando neste projeto para a transposição dos dois livros restantes da trilogia. Ou seja, quem permanecer no cinema terá visto um filme sem final, carente de uma conclusão que ficará ausente devido ao conservadorismo da audiência e da falta de visão de quem toma as decisões, incapazes de perceber que, em alguns casos, menos poderia gerar muito mais.

The Golden Compass, EUA/Reino Unido, 2007
(nota 7)




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