domingo, março 23, 2008

O PREÇO DA CORAGEM

Uma das grandes apostas para o Oscar 2008, Angelina Jolie, protagonista de O PREÇO DA CORAGEM, acabou frustrando seus fãs e ficando de fora das cinco finalistas. Um absurdo, no mínimo. Ela consegue deixar de lado todos os seus mais costumeiros maneirismos, submergindo num personagem de grande destaque, mas nunca tentando se sobressair à história que está sendo contada. Este é, sem sombra de dúvidas, o melhor trabalho dela no cinema - superior inclusive ao oscarizado GAROTA, INTERROMPIDA, que lhe valeu o prêmio de Coadjuvante em 2000 - e um filme acima de tudo relevante, tanto cultural quanto politicamente falando. Isso sem falar de que este desempenho foi reconhecido por praticamente todas as principais premiações do cinema norte-americano, indicado ao Globo de Ouro, ao Broadcast, ao Independet Spirit, ao Satellite, ao Sindicado dos Atores e segundo os críticos de Londres e Chicago, entre outros. A única - e notória - exceção foi o Oscar. Um pormenor que de forma alguma tira o brilho desta obra de inestimável valor.

Os méritos de O PREÇO DA CORAGEM começam na escolha do diretor: o inglês Michael Winterbottom, reconhecido por obras políticas como O CAMINHO PARA GUANTANAMO (2006), CÓDIGO 46 (2003), NESTE MUNDO (2002) e BEM-VINDOS A SARAJEVO (1997). E ele mostra todo o seu domínio na forma como conduz esta história verídica, baseada no livro escrito pela jornalista francesa Marianne Pearl, que viu seu marido, o norte-americano Daniel Pearl, ser sequestrado e brutalmente assassinado enquanto cobria os conflitos do Paquistão para o Wall Street Journal. Isso aconteceu em janeiro de 2002, e a notícia correu o mundo todo, chegando inclusive aos ouvidos do casal de atores Brad Pitt e Jolie. E foram eles que decidiram que esta tragédia não poderia morrer assim, e que merecia ser levada a um público maior, como forma de anúncio e protesto. Assim, com ela como protagonista e ele como produtor, chegaram até Winterbottom, que tomou para si a missão de transformar aquela série de acontecimentos num enredo forte, chocante, envolvente e, acima de tudo, real. Tão duro quanto a própria vida.

Daniel (interpretado de forma muito convincente por Dan Futterman, visto em filmes como BIRDCAGE - A GAIOLA DAS LOUCAS e indicado ao Oscar pelo roteiro de CAPOTE) foi fazer uma última entrevista antes de terminar seu trabalho no dia 23 de janeiro. Esta é a data oficial do seu desaparecimento. A partir de então o governo do Paquistão, dos Estados Unidos, o Wall Street Journal, a CIA, a polícia local e ONGs internacionais se uniram para tentar uma solução pacífica para o caso. Infelizmente, isto não foi possível. Como este desfecho é mais do que conhecido, o diretor sabiamente não procura fazer disto um mistério. O que nos ganha é o modo sério como este desenrolar de ações é relatado, numa edição inteligente e não cronológica, como peças de um grande quebra-cabeças que vão sendo colocadas ao pouco na nossa frente, para que completamos o trabalho montando-o segundo nossa lógica. Processo muito similar ao que os envolvidos devem ter se confrontado naqueles dez fatídicos dias de suspense e tensão. Assim, O PREÇO DA CORAGEM só cresce, seja se pensarmos nele como obra cultural ou debate sociológico.

O mundo é um lugar repleto de contradições. A forma como Marianne Pearl encarou esta tragédia é mais uma dessas. O tempo todo ela permaneceu honesta ao que seu coração sentia, aos ideais que ela e Daniel sempre acreditaram e a uma visão de mundo justa e equilibrada. Pode parecer loucura algumas de suas decisões, atitudes ou sentimentos. Mas não teriam como ser diferentes. Mais do que uma emocionante história de amor, este é o relato, como diz o título original, de um coração de muito valor, disposto a encarar as durezas da vida de cabeça erguida e ainda seguir procurando por algo que mereça ser parabenizado. Assim como deve ser a impressão de qualquer um de nós após assistir a este filme: com respeito e a consciência de ter recebido uma lição que não deve ser esquecida.

A Mighty Heart, EUA / Reino Unido, 2007
(nota 8,5)


quarta-feira, março 12, 2008

10.000 A.C.

Assisti pela manhã, junto com a imprensa especializada, a principal estréia da semana – ao menos a mais esperada pelo público, com grandes expectativas: 10.000 A.C. é o novo blockbuster do diretor alemão Roland Emmerich, o mesmo de INDEPENDENCE DAY e O DIA DEPOIS DE AMANHÃ. Assim como em todos os seus filmes anteriores (e podemos incluir GODZILLA e STARGATE nesta equação), Emmerich volta a dar mais atenção ao visual de suas tramas do que no enredo propriamente dito. Não é exigido absolutamente nada do espectador ao acompanhar o desenrolar dos acontecimentos – que, muitas vezes, são lentos e aborrecidos, provocando mais tédio do que envolvimento. Por outro lado, quando a máquina de efeitos especiais hollywoodiana entra em ação, o resultado é mais uma vez impressionante. Pena que não haja um bom equilíbrio entre estes dois lados.

Em 10.000 A.C., somos levados até a pré-história e colocados diante da saga de um homem destinado a se tornar o herói do seu povo. O filme começa bem, com bons efeitos – a manada de mamutes é muito bem feita, tecnicamente e contextualmente. Mas logo tudo descamba para ser "mais do mesmo". As referências são as mais óbvias possíveis: JURASSIC PARK, APOCALYPTO, KING KONG e todas as demais produções do gênero são recicladas aqui, sem muita originalidade ou ousadia. O esquema videogame é seguido à risca, e o fato de estarmos numa outra era é apenas um pretexto de marketing – e não um aliado na missão de conquistar a audiência. Assim, logo estamos nos perguntando o porquê do título, para em seguida voltarmos a nos questionar até quando o cinema norte-americano seguirá fazendo sempre os mesmos filmes, com as mesmas histórias.

O ritmo da narrativa é lento, o roteiro é simplista e pouco elaborado, a direção de arte é das mais artificiais possíveis, a maquiagem chega a ser constrangedora, e os atores estão no nível mais baixo da mediocridade. Nada que é mostrado chega a ser minimamente convincente. Em poucas palavras, o filme mostra um garoto tendo que liderar alguns poucos guerreiros numa jornada em busca de outros membros de sua tribo que foram seqüestrados por invasores. No caminho, enfrentam ameaças pré-históricas, como um tigre dente-de-sabre (extremamente falso, a ponto de ser risível, conseguindo ser pior até do que o leão de AS CRÔNICAS DE NÁRNIA) e aves monstruosas (numa seqüência idêntica ao ataque dos velociraptores em O PARQUE DOS DINOSSAUROS). No final o perigo que eles estão enfrentando passa a ser representado por seres que se assumem como divindades, e precisam de mais escravos para a construção das pirâmides. Deu pra sentir o tom de salada geral?

Os protagonistas são Steven Strait (O PACTO), um rapaz esforçado e com físico de super-herói, porém sem o menor carisma ou empatia, Camilla Belle (O MUNDO DE JACK E ROSE), filha de uma modelo brasileira, uma garota tão linda quanto inexpressiva, e Cliff Curtis (ENCANTADORA DE BALEIAS), o mais conhecido do elenco, porém com poucas chances debaixo de uma caracterização horrorosa. Emmerich, que além da direção assina também o roteiro e a produção, não foge do que já está acostumado a fazer. E se a batalha final chega a emocionar por alguns rápidos momentos, a conclusão não poderia ser mais clichê. Se você já assistiu a todos os concorrentes ao Oscar em cartaz e quer passar duas horas no cinema com muita pipoca e refrigerante, sem pensar em mais nada, não desista: tenho certeza que irá encontrar melhores opções do que este 10.000 A.C.!

10.000 b.C., EUA/Nova Zelândia, 2008
(nota 4)