segunda-feira, novembro 05, 2007

QUERÔ

Baseado no conto "Querô - Uma Reportagem Maldita", de Plínio Marcos, QUERÔ marca a estréia na direção de um longa-metragem de ficção do até então documentarista Carlos Cortez. Amigo do dramaturgo criador de enredos clássicos da periferia paulista como "Navalha na Carne" e "Dois Perdidos Numa Noite Suja", Cortez afirma ter sido abençoado pelo próprio Marcos, que teria confiado nele a adaptação para o cinema desta história que se aproxima de outra obra referencial dentro da cinematografia brasileira: PIXOTE, A LEI DO MAIS FRACO, de Hector Babenco. A diferença está no tom assumido pelo discurso, tanto dentro da trama quanto, principalmente, fora da tela, agora mais esperançoso, mesmo que continue trágico.

'Querô' é o apelido recebido pelo menino cuja mãe prostituta se suicida banhada em querosene. Criado muito a contragosto pela dona do prostíbulo, assim que se sente 'grande o suficiente' - mas ainda uma criança! - decide fugir para tentar a vida nas ruas, sozinho. Tal decisão acaba levando-o para a Febem, onde uma experiência traumática - é currado por quase uma dezena de adolescentes - faz com que a revolta dentro dele cresça de modo incontrolável. A fuga mais uma fez se faz urgente, assim como a volta às más companhias, os amores perdidos e a carência latente.

Filmado na região de Santos, SP, QUERÔ conta com mais de 40 garotos da região nos papéis principais. Os únicos atores profissionais aparecem em pequenas participações, como Maria Luiza Mendonça (sempre entregue e visceral), como a mãe que o abandona, Ângela Leal, a dona do bordel, Aílton Graça (numa boa composição) e Milhem Cortaz (TROPA DE ELITE), como o coordenador da Febem. A história em si está nas costas dos meninos, que desempenham com louvor a função que lhes compete. Mas o maior mérito mesmo parece ter sido a escolha do protagonista, Maxwell Nascimento. Em todos os festivais que o filme participou ele acabou ganhando o prêmio de Melhor Ator! Foi assim em Brasília (ganhou ainda Melhor Roteiro, Som e Direção de Arte), no Ceará (escolhido também Melhor Filme e Edição), em Cuiabá (o grande vencedor, premiado ainda como Melhor Filme, Direção, Roteiro, Produção e Diretor de Arte) e no Paraná. Maxwell é um talento em estado bruto, que mostra na tela uma visão de si mesmo que muito provavelmente nem ele mesmo conhecesse. Palmas para o diretor e para o preparador do elenco, que o descobriram e o treinaram, e principalmente para este novo artista que se confirma com esta atuação como uma verdadeira força interpretativa.

QUERÔ é triste, revoltante, impressionante, angustiante. É verdadeiro e também um grito de alerta. Chama atenção para um problema e uma realidade de décadas atrás que hoje, mesmo tanto tempo depois, se mostra cada vez mais caótica. Fala sobre uma questão social, mas acima de tudo sobre a própria condição humana, a necessidade de sermos alguém no mundo e de significarmos algo para um outro. E, mais do que qualquer outra coisa, sobre não estarmos sozinhos. É um grito pela vida, antes que o fim implacável se faça mais uma vez presente.

Querô, Brasil, 2006
(nota 8)

domingo, novembro 04, 2007

TROPA DE ELITE

O filme nacional mais falado, polêmico e visto do ano, antes mesmo de chegar aos cinemas! Segundo os produtores, estima-se que cerca de 3 milhões de brasileiros viram TROPA DE ELITE em um dvd pirata, antes da estréia. Como ele já soma quase 2 milhões de espectadores pagantes em um mês em cartaz, isso dá um público total de 5 milhões, quase o mesmo de 2 FILHOS DE FRANCISCO (longa brasileiro de maior audiência nos últimos 15 anos) e superior a outros campeões, como CARANDIRU (4,5 milhões) e CIDADE DE DEUS (3,3 milhões), por exemplo. E agora, quando a poeira está finalmente baixando, a pergunta que cabe é: justifica-se todo este auê? E a resposta é: em parte.

José Padilha, após o aclamado documentário ÔNIBUS 174, percebeu que ainda havia muito a ser dito sobre a situação da violência no Brasil. Só que ele procurou um outro ponto de vista, que não o do bandido, como é mais comum. E o caminho óbvio, portanto, era a próprio polícia. E ele encontrou no livro "Elite da Tropa", de Luiz Eduardo Soares, André Batista e Rodrigo Pimentel, a fonte para a origem do seu trabalho seguinte. TROPA DE ELITE não é uma adaptação, mas faz da obra literária inspiração para o discurso que queria promover. E este é, em poucas palavras: apesar de toda a corrupção, ainda há policial interessado em acabar com o crime, mesmo que os métodos empregados não sejam os mais justos.

O filme TROPA DE ELITE tem como protagonista o Capitão Nascimento (Wagner Moura, impressionante), membro do BOPE (Batalhão de Operações Policiais Especiais da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro), um grupo extremamente seleto e de atuação bastante forte empregado em situações de alta gravidade. Nascimento quer descansar, e para isso precisa escolher um substituto. E os dois mais prováveis para ocupar o lugar dele recém ingressaram na força, Neto (Caio Junqueira) e Matias (André Ramiro). Enquanto isso, estes vão descobrindo como são as coisas dentro de um órgão policial corrompido, ao mesmo tempo em que o BOPE estuda como garantir a segurança no morro durante a visita do Papa, tudo isso no final dos anos 90.

Apesar dos inegáveis méritos, TROPA DE ELITE não é desprovido de defeitos. E estes estão principalmente na visão simplista que promove de alguns vértices da trama, como os universitários (todos "mauricinhos" e "patricinhas" alienados com visões estereotipadas da verdade social do dia-a-dia) e os comandantes policiais (todos corruptos e poderosos, como grandes chefões da máfia que fumam charutos e comem camarões enquanto os subalternos cumprem suas ordens). Essa artificialidade prejudica um pouco uma melhor compreensão do que está sendo mostrado em cena: uma sociedade doente, que para combater um mal precisa fazer uso dele mesmo em doses ainda maiores.

Mas isso acaba sendo detalhe diante do que o filme oferece: atuações entregues e viscerais, uma direção no total domínio de suas ambições, uma edição precisa e vertiginosa, tudo funcionando de acordo com um roteiro amarrado e objetivo. TROPA DE ELITE talvez acabe entrando para a História do cinema nacional por outros motivos (a pirataria, a violência), mas merece um espaço também destinados às grandes produções nacionais, qualitativamente falando. Não entre os primeiros, mas certamente numa posição muito bem colocada.

Tropa de Elite, Brasil, 2007
(nota 8)