domingo, janeiro 20, 2008

EU SOU A LENDA

Will Smith é o maior astro do cinema norte-americano. Ou alguém tem alguma dúvida disso? Se não, quem seria? Tom Cruise (que foi demitido da Paramount e teve seu último filme - LEÕES E CORDEIROS - massacrado pela crítica e ignorado pelo público?)? Brad Pitt (que conseguiu a façanha de NÃO ser indicado ao Oscar por BABEL - apesar do filme ter sido um dos campeões de indicações no ano passado; que teve seu último filme - O ASSASSINATO DE JESSE JAMES PELO COVARDE ROBERT FORD - ignorado pelo público e pela grande crítica, apesar de premiado em Veneza; ou cujo último sucesso de público foi TREZE HOMENS E UM NOVO SEGREDO, e isso porque contava com a companhia de nomes como George Clooney e Matt Damon)? Clooney? Damon? Johnny Depp (que só quer ser visto pelo espectador como Capitão Jack Sparrow em PIRATAS DO CARIBE)? Não, nenhum desses consegue bater Smith, que se dá bem não importa qual seu objetivo, se conquistar a crítica (À PROCURA DA FELICIDADE) ou o público - e o recente EU SOU A LENDA é um ótimo exemplo deste caso!

Desde os anos 70 diferentes estúdios em Hollywood desejavam refilmar o romance de Richard Matheson, que já havia sido levado às telas anteriormente em duas ocasiões. Nomes como Arnold Schwarzenegger, Ridley Scott, Michael Douglas, James Cameron, Guillermo Del Toro e Michael Bay chegaram a estar envolvidos neste projeto, mas nenhum conseguiu ir muito adiante. Só quando o protagonista de filmes como HOMENS DE PRETO e INDEPENDENCE DAY disse "sim" é que finalmente as coisas começaram a andar. E do modo como ele decidiu: o diretor escolhido foi Francis Lawrence (CONSTANTINE) e o roteirista escalado foi o vencedor do Oscar Akiva Goldsman (UMA MENTE BRILHANTE). E tudo isso para contar a história do último homem na Terra. Que, como já adianta o cartaz, não está sozinho!

A trama de EU SOU A LENDA começa com uma notícia fantástica - a descoberta da cura do câncer, feita por uma pesquisadora inglesa (Emma Thompson, em participação especial). O problema começa seis meses depois, quando descobre-se que esta vacina gera efeitos colaterais - um novo vírus, que acaba transformando 99% da população mundial em seres monstruosos sensíveis à luz, quase como vampiros, o que termina ocasionando a morte da grande maioria da humanidade. Os que sobrevivem estão sempre escondidos, esperando o sol se pôr para se alimentar vorazmente de animais ou dos poucos sobreviventes biologicamente imunes e, portanto, não infectados. Will é uma dessas pessoas, que por acaso vem a ser também um cientista, desde então empenhado em encontrar uma cura para este mal terrível.

Durante dois terços do filme Will Smith está sozinho em cena, acompanhado apenas do pastor alemão Sam. E, por incrível que pareça, ele segura muito bem a atenção da platéia, nos deixando ligados em cada movimento seu, desde a nova rotina em casa até suas saídas pela cidade devastada. O perigo está em cada esquina, em cada viela escura, em cada prédio abandonado. E somos sabiamente relembrados disso a todo instante. O que não quer dizer que não sejamos pegos de surpresa a cada novo susto. No restante final da história dois outros sobreviventes imunes aparecem - entre eles, a atriz brasileira Alice Braga, sobrinha de Sônia Braga e presente em filmes como CIDADE DE DEUS e CIDADE BAIXA. E a menina se sai muito bem, assumindo sua brasilidade, porém sem estereótipos constrangedores ou um sotaque carregado.

Não deixa de ser curioso um filme em que a grande vilã acaba sendo Emma Thompson e que o mundo é salvo graças a ajuda de uma brasileira. E, apesar desta bizarra conjectura, EU SOU A LENDA é diversão das boas, cinema-pipoca de qualidade, cheio de bons efeitos especiais, atores competentes no domínio de suas habilidades e uma trama que se não surpreende, ao menos não aborrece pela obviedade. Uma ótima pedida para esse período de férias. Basta apenas não exigir além da conta. Afinal, Smith sempre cumpre o que promete!

I am Legend, EUA, 2007
(nota 7)



domingo, janeiro 06, 2008

IMPÉRIO DOS SONHOS

Um amigo me disse ter se sentido ofendido após as três horas de duração de IMPÉRIO DOS SONHOS, nova loucura assinada por David Lynch. Já outro afirmou ter baixado o filme pela internet logo que o encontrou disponível, e que já o tinha assistido no mínimo umas cinco vezes antes da estréia nos cinemas brasileiros (onde foi conferir novamente, apenas pelo "prazer da tela grande"). Eu, por outro lado, não sei muito o que dizer. Afinal, como criticar - para o bem ou para o mal - algo que você simplesmente não entendeu?

E acredito também que a idéia seja exatamente esta: provocar muito mais dúvidas do que esclarecimentos. Para se ter uma idéia, durante uma entrevista a um programa de televisão, Lynch e Laura Dern, a protagonista, não conseguiram chegar a um acordo a respeito de quantos papéis ela própria interpreta no filme, se três ou quatro. Bem, se nem eles, que idealizaram o longa, conseguem se entender, o que sobra para nós, meros espectadores?

IMPÉRIO DOS SONHOS começa com uma garota assistindo a um programa na televisão. Parece ser um sitcom - um único cenário, claquetes com risadas da platéia - em que os personagens são seres humanos com cabeças de coelhos. Logo em seguida estamos na majestosa residência de uma atriz aparentemente famosa, que está em vias de voltar ao estrelato por conseguir um papel bastante disputado. É o remake de um filme que não chegou a ficar pronto, sobre uma família polonesa assassinada. Os protagonistas do filme original morreram durante a produção, e tem-se este temor que o mesmo aconteça durante as novas filmagens. Um grupo de prostitutas também pontua algumas situações, assim como uma mulher que está contratando um detetive particular. Ah, e há também uma família que recebe uma trupe de viajantes da Europa oriental para um churrasco no jardim (!).

Qual a relação entre todas estas histórias? Aparentemente, nenhuma. Por outro lado, talvez todas estas tramas revelem facetas de uma mesma mulher. A atriz decadente que revive o papel de uma estrela de outrora que está trazendo à vida uma sofrida dona de casa polonesa que suspeitava que o marido a estava traindo e que por isso ansiava por ter uma vida familiar tranquila e perfeita e que, pela ausência dessa realidade, imagina-se prostituindo-se em troca de um pouco de atenção e, pela inevitabilidade disto, termina de forma trágica. Ou então seria a vizinha que aparece no começo do filme a verdadeira protagonista, a imigrante da Polônia responsável por todas aquelas tragédias e que manifesta-se naquele momento para alertá-la dos perigos que estaria prestes a correr? Muitas interpretações mais certamente são possiveis, e quem se dedicar a procurar não terá dificuldades em encontrar argumentos e elementos que colaborem nestas outras posições. IMPÉRIO DOS SONHOS é uma obra literalmente aberta, e caberá ao espectador e ao seu universo de referências montar - ou não - este quebra-cabeças.

Premiado no National Board of Review como "Melhor Filme Experimental" do ano (prêmio até então inédito) e merecedor de um prêmio especial no Festival de Veneza "pela inovação digital proposta em sua concepção", IMPÉRIO DOS SONHOS, ao contrário de outros filmes de David Lynch, praticamente não possui dentro de si chaves que possibilitem um melhor entendimento. Hermético e bizarro, se comporta como os sonhos mais confusos e problemáticos que temos, indo do pesadelo ao descanso total em questão de instantes, para depois retomar condições até então esquecidas. Dern, a grande estrela da obra, se entrega de corpo e alma à visão aparentemente desconexa do diretor, aceitando todas as propostas de forma integral. Cada mudança dela é tão intensa quanto discreta, mostrando que é no interior de cada um onde se escondem os verdadeiros medos e desejos. E quem quiser embarcar nesta viagem não deve temer os bocejos, a frustração e a incompreensão, assim como deve estar pronto para os pequenos prazeres dispostos aleatoriamente durante o desenrolar da ação. Ganha quem aceitar mais - e procurar entender menos!

Inland Empire, EUA, 2006
(nota 5)







quinta-feira, janeiro 03, 2008

A BÚSSOLA DE OURO

Em A BÚSSOLA DE OURO, assim como em outros casos recentes (HARRY POTTER E A ORDEM DA FÊNIX, NOTAS SOBRE UM ESCÂNDALO, TROPA DE ELITE), tive a felicidade de ler primeiro o livro original antes de ver a adaptação cinematográfica. E, ao contrário do que geralmente acontece, desta ver o filme se saiu melhor do que a fonte literária - por mais incrível que isso possa parecer! Sim, porque a obra de Philip Pullman, por mais elogiada ("arrebatador e extraordinário", Sunday Times; "grandioso, força e beleza cena após cena", New York Times; "um daqueles livros que dão dor de fechar", Scotsman; e o mais exagerado, "raramente, se é que já aconteceu, foi apresentado aos leitores uma oferenda tão rica em maravilhas", Independent) e premiada (ganhador das medalhas Carnegie e Guardian de Livro do Ano) que seja, tem aspectos extremamente duros e de difícil digestão, que ao serem levados para a tela grande foram atenuados de uma forma inteligente e perspicaz. Não que tenha mudado muita coisa - a trama em si continua exageradamente trágica - mas ao menos aparenta estar mais adequada ao público ao qual se dirige.

E que espectador seria esse, o mais indicado para assistir - e ler - A BÚSSOLA DE OURO? Bem, segundo os produtores, à princípio seriam os mesmos que ficaram maravilhados pela saga O SENHOR DOS ANÉIS - e, em menor escala, por genéricos como AS CRÔNICAS DE NÁRNIA, ERAGON ou STARDUST. Porém o enredo aqui abordado trata muito mais de política, religião e filosofia do que de aventura e emoção propriamente dita, dispostos durante o desenrolar da ação de modo irregular. Não será surpresa alguma se muitos enfrentarem as quase duas horas de projeção alternando bocejos com pulos na cadeira!

O diretor Chris Weitz não parece ser o homem mais indicado para coordenar um filme deste gênero. Responsável pelos simpáticos AMERICAN PIE e UM GRANDE GAROTO, ele deixa bastante visível sua falta de jeito diante cenários tão grandiosos, estrelas poderosas e idéias dotadas de ambição e magnitude. Os efeitos especiais, por outro lado, não chegam necessariamente a surpreender, mantendo ao menos o bom nível de longas mais antigos que exploraram opções semelhantes - animais falantes, grandes batalhas e explosões catastróficas. Por fim temos bons atores em papéis minúsculos - Nicole Kidman, excelente, deve aparecer, se tanto, meia hora, enquanto que Daniel Craig e Eva Green não possuem mais do que 10 minutos cada um em cena. A - boa - surpresa é a garota Dakota Blue Richards, que estréia no cinema já como protagonista, cumprindo a contento suas obrigações e ainda acrescentando uma graça e um carisma dignos de quem promete muito para o futuro.

E qual é a história, enfim, de A BÚSSOLA DE OURO? Num mundo dominado pelo "Magistério", uma entidade religiosa controladora e opressiva, poucos ambientes estão a salvo deste poder, e um deles são as universidades. E é numa das mais importantes que a menina Lyra foi entregue para ser criada. Sem saber quem são seus pais, certo dia, pouco antes de entrar na adolescência, ela é entregue para a misteriosa Sra. Coulter (Kidman), uma das mais influentes personalidades à serviço do Magistério. Ao descobrir que sua nova tutora estaria por trás do desaparecimento de dezenas de crianças, se rebela e foge. Neste mundo todos os humanos - crianças e adultos - têm sempre ao seu lado um "daemon", animais falantes que seriam, na prática, a representação material da alma. Um nunca pode ser separado do outro - um eventual afastamento teria proporções trágicas para ambos. E a ligação entre eles seria proporcionada pela existência do Pó, substância mágica que, acredita-se, seria responsável pelo "pecado original". O que o Magistério quer é descobrir um meio de acabar com o Pó - e, para isso, experiências devem ser feitas, geralmente envolvendo crianças, daemons e o fim da ligação entre eles. Com a ajuda de ciganos, de um cowboy voador, das bruxas e de um urso guerreiro, Lyra, dotada de uma bússola mágica que sempre lhe oferece a verdade independente da pergunta feita, irá ao Norte gelado para tentar por fim a esta barbaridade - e, assim, salvar seu melhor amigo!

A BÚSSOLA DE OURO é cinemão fantástico, feito para ser assistido no cinema com muita pipoca e refrigerante. Mas também trata de temas como autoritarismo, selvageria, traições, soberba e vingança. Talvez tenha sido por causa dessa combinação pouco usual que o filme não tenha se saído tão bem quanto se esperava nas bilheterias norte-americanas - pouco mais de US$ 50 milhões de dólares em um mês em cartaz, para um orçamento de US$ 180 milhões! Nos mercados internacionais os resultados foram um pouco melhores, ultrapassando o dobro do arrecadado na terra do Tio Sam. Prejuízo provavelmente não irá gerar, mas é pouco provável que continue se apostando neste projeto para a transposição dos dois livros restantes da trilogia. Ou seja, quem permanecer no cinema terá visto um filme sem final, carente de uma conclusão que ficará ausente devido ao conservadorismo da audiência e da falta de visão de quem toma as decisões, incapazes de perceber que, em alguns casos, menos poderia gerar muito mais.

The Golden Compass, EUA/Reino Unido, 2007
(nota 7)




P.S. EU TE AMO

Existem atrizes e atrizes, boas e más. Entre as boas, há aquelas melhores, que sabem fazer praticamente tudo (como Meryl Streep, para fazer uma escolha óbvia) e outras nem tanto, que são boas somente num tipo de personagem. Neste caso está Hilary Swank. Duas vezes vencedora do Oscar de Melhor Atriz, em ambos trabalhos premiados ela interpretava personagens duros, masculinizados (a garota que queria ser rapaz em MENINOS NÃO CHORAM e a lutadora de boxe de MENINA DE OURO). Portanto, quem a conhece minimamente sabe que, com este perfil, ela, definitivamente, nada tem a ver com o universo das comédias românticas. Portanto, partindo deste consenso, não é difícil imaginar o tamanho do desastre que é este P.S. EU TE AMO.

Swank está numa posição bastante desconfortável em Hollywood. Ela foi tão rapidamente - em menos de 10 anos - da posição de total desconhecida para a condição de uma das atrizes mais premiadas da América. Assim, ela simplesmente não pode se deixar envolver em qualquer projeto, da mesma forma que não conseguiu construir para si uma "persona" no mundo do cinema, uma carreira de "tipos" com os quais ela, assim como o público e a indústria, se identificasse além dos dois mais notórios. Pequenas participações de luxo em semifracassos como O DOM DA PREMONIÇÃO (2000) e DÁLIA NEGRA (2006) pouco contribuíram, mas ainda assim causaram menos prejuízo do que as bombas que contavam com ela em personagens heróicos (O NÚCLEO, 2003) ou misteriosos (A COLHEITA DO MAL, 2007). De destaque, mesmo, somente a coadjuvante de INSÔNIA (2002), ao lado de Al Pacino e Robin Williams, e um pequeno filme inspirado numa história real e lançado diretamente em dvd no Brasil: ESCRITORES DA LIBERDADE (2007).

Ao observarmos esta trajetória, talvez se entenda um pouco melhor o porquê de P.S. EU TE AMO. É a primeira vez que interpreta uma heroína romântica (terreno que fez a popularidade e a fortuna de estrelas como Julia Roberts, Sandra Bullock e Meg Ryan, por exemplo). E, por outro lado, está retribuindo um favor ao diretor Richard LaGravenese, responsável por este e pelo mais bem sucedido ESCRITORES. Se esse filme ele fez para ela - era um projeto pessoal dela - este mais recente atende a uma vontade de dele (e dela também, vamos combinar) de se tornar viável comercialmente. O problema é que, mesmo tendo por trás uma estratégia tão planejada, o resultado é frustrante, impossibilitando qualquer maior ambição.

P.S. EU TE AMO já começa errado: com o casal de protagonistas, Swank e Gerard Butler (300), discutindo. Percebe-se que os dois estão juntos há mais de uma década, e estes últimos anos não foram tão bons com eles - onde foram parar os sonhos da juventude? Após corte brusco, estamos no enterro dele, e ela acredita não ter mais razão para viver. Mas um plano desenvolvido antes da morte irá ajudá-la: no dia seguinte passam a chegar pelo correio cartas dele, enviadas não sabe-se por quem, mas que lhe repassam recados de como ele via a vida, e mais importante, de como ela deve reaprender a viver. Todas estas mensagens, obviamente, assinadas com um "p.s.: eu te amo".

Se Swank e Butler não possuem a menor química juntos, os coadjuvantes se saem ainda pior. Lisa Kudrow (FRIENDS) e Gina Gershon (A OUTRA FACE) não convencem em nenhum instante como "melhores amigas": cada uma quer aparecer mais do que a outra com tiradas cômicas superficiais, dificultando a identificação com o espectador. Harry Connick Jr. (WILL AND GRACE) e Jeffrey Morgan (GREY'S ANATOMY), ambos como prováveis candidatos ao coração da protagonista, estão desajeitados e pouco interessantes em suas intenções. Já a também oscarizada Kathy Bates parece deixar claro no mal humor de sua personagem sua insatisfação com estes papéis medíocres de "mãe de alguém" (como foi de Matthew MacConaughey em ARMAÇÕES DO AMOR). E se não há diversão do lado de lá da tela, imagina entre quem está estático sentado diante de todo este constrangimento!

P.S. I Love You, EUA, 2007
(nota 4,5)


quarta-feira, janeiro 02, 2008

O AMOR NOS TEMPOS DO CÓLERA

Mike Newell, diretor de O AMOR NOS TEMPOS DO CÓLERA, afirmou, numa das entrevistas de lançamento do filme, que estaria com mais medo da reação dos fãs do romance de Gabriel García Márquez do que dos adoradores de Harry Potter. Pois esse receio tem fundamento, uma vez que a versão cinematográfica de O AMOR... é infinitamente inferior ao longa anterior dele, HARRY POTTER E O CÁLICE DE FOGO (quarta aventura do menino bruxo criado por J.K.Rowling). Não só a direção é canhestra neste novo trabalho, como toda a composição envolvida nesta adaptação tem percalços, a despeito dos inúmeros talentos envolvidos no processo.

A história é bastante conhecida: rapaz pobre se apaixona por menina rica e decide esperar por ela o quanto for preciso. O pai dela, ao saber do romance, a manda para o interior, para a casa de familiares. Anos depois, quando volta, afirma não sentir mais nada por ele, e acaba casando com um médico famoso. Ele não se conforma com a recusa, e em cada mulher que se envolve procura um pouco dela. Mais de 50 anos depois, quando ela fica viúva, ele reaparece, pedindo-a em casamento. Apesar da proposta ser recusada com veêmencia, aos poucos ela vai cedendo, até que o "amor eterno" dele finalmente se concretize.

O inglês Mike Newell sabe contar histórias de amor - vide o imenso sucesso de seu filme mais elogiado, QUATRO CASAMENTOS E UM FUNERAL. O problema aqui é a vontade de se intrometer num mundo que lhe é completamente estranho - e o fato do roteiro ter sido escrito pelo sul-africano Ronald Harwood (vencedor do Oscar por O PIANISTA) não colabora muito. O que para os latinos soa ardente e sexy, na visão européia pode se transformar em caricaturesco e irônico. E é o que muitas vezes acontece, desde pequenos detalhes até mesmo na composições de personagens fundamentais. E, assim como visto em filmes como A CASA DOS ESPÍRITOS, esse "olhar estrangeiro" não será competente o suficiente para captar todas as nuances propostas pela obra original.

O elenco internacional é um caso à parte. O espanhol Javier Bardem (MAR ABERTO) é uma escolha mais do que acertada como o protagonista Juvenal, e ele por si só já faz valer o ingresso. Cada gesto, cada manifestação de desejo, amor ou frustração ganha uma magnitude inesperada quando envolta pelo olhar deste ator fenomenal. Por outro lado, a italiana Giovanna Mezzogiorno não consegue ficar à altura dos bons trabalhos feito em seu país natal, como os memoráveis O ÚLTIMO BEIJO ou A JANELA DA FRENTE. Submissa, acaba sucumbindo tal qual sua Fermina, passando pela tela sem se fazer notar. A colombiana indicada ao Oscar Catalina Sandino Moreno (MARIA CHEIA DE GRAÇA) pouco faz com o tempo escasso que tem em cena, assim como os americanos Liev Schreiber (SOB O DOMÍNIO DO MAL) ou Benjamin Bratt (MISS SIMPATIA). Já o também colombiano John Leguizamo (MOULIN ROUGE) é um desastre: tudo bem que o pai da moça precisa deixar claro sua contrariedade quanto à atração da filha pelo pobre rapaz, mas seus exageros o fazem se assemelhar mais a um sanguinário assassino do que a um homem de posses tentando defender sua honra. Por fim, felizmente, uma boa notícia: a estréia da nossa Fernanda Montenegro num projeto hollywoodiano está acima de qualquer deslize da produção. Mesmo num papel secundário, ela injeta uma vitalidade singular e fundamental na história. Os momentos de preocupação com o filho devoto a um amor improvável até a loucura final se alternam com suavidade e total controle, mostrando que não é o tamanho do personagem que faz diferença quando há experiência e sabedoria em jogo.

Fernandona, aliás, não é a única brasileira na equipe de O AMOR NOS TEMPOS DO CÓLERA: o diretor de fotografia, responsável por cenas belíssimas, é Affonso Beato (que já trabalhou com Cacá Diegues e Pedro Almodóvar), enquanto que a trilha sonora ficou à cargo de Antonio Pinto (de CIDADE DE DEUS, COLATERAL e O SENHOR DA GUERRA, entre tantos outros). O trabalho deste, em conjunto com a pop star Shakira, aliás, responde pela única indicação do filme ao Globo de Ouro: Melhor Canção, para "Despedida". Um reconhecimento justo, porém muito aquém da expectativa levantada quando sua realização teve início. Estivesse passado pelas mãos de cineastas mais familiarizados com este universo, como Walter Salles ou Alfonso Cuarón, certamente o resultado teria sido muito diferente. E o fato de ser todo falado em inglês não colabora em absolutamente em nada: nem no faturamento internacional, uma vez que arrecadou menos de US$ 5 milhões nos Estados Unidos, apesar de ter custado quase 10 vezes este valor! Por fim é mais um produto multicolorido feito para turista se entreter por alguns trocados e por poucos minutos - e, dessa forma, esquecer logo em seguida, assim como todos os envolvidos em ambos os lados da tela!

Love in the Time of Cholera, EUA, 2007
(nota 6)