Tocante e cruelmente verdadeiro. Assim pode ser definido THE BUBBLE, longa dirigido pelo israelense Eytan Fox, o mesmo de YOSSI & JAGGER (que, no Brasil, recebeu o absurdo título DELICADA RELAÇÃO). O filme é um "Romeu e Julieta" gay entre um morador de Tel Aviv e um palestino que está ilegalmente na cidade israelita. Os dois se apaixonam quase que instantaneamente, mas a relação entre eles tem tudo para não dar certo: a distância geográfica, os conflitos políticos e religiosos, a pressão familiar, as rígidas regras da sociedade. O modo como cada um irá tentar e conseguir - ou não - superar estas dificuldades é que faz desta jornada cinematográfica uma experiência tão gratificante.
Tel Aviv é conhecida como "A Bolha" justamente por sua habilidade de reproduzir entre seus habitantes uma vida minimamente normal, mesmo estando situada bem no centro de um verdadeiro caos político-religioso-social. E bem no meio deste "universo paralelo" moram juntos, no mesmo apartamento, Noam (Ohad Knoller, de DELICADA RELAÇÃO), um vendedor de discos, Yelli (Alon Friedman), que ganha a vida como gerente de um café, e Lulu (Daniela Virtzer), vendedora de cosméticos. A história começa no último dia de serviço militar de Noam, quando ele encontra, pela primeira vez, Ashraf (Yousef "Joe" Sweid), um rapaz que tentava cruzar a fronteira. Já em casa, feliz por estar de volta ao lado dos amigos, é surpreendido quando bate a sua porta justamente Ashraf, que está à procura de um lugar para ficar. Os dois acabam conversando, se entendendo, e o que começou como um flerte se transforma num abrigo político, para só depois virar romance.
O mais interessante em THE BUBBLE é como, apesar da aparente previsibilidade da trama, somos impactados com cada nova situação do enredo. E também com a capacidade do diretor em combinar, de forma tão delicada, extremos até então inconcebíveis: guerra e amor gay, protesto e Bebel Gilberto (a cantora brasileira é constante na trilha sonora), respeito às tradições e raves com música eletrônica, a vida num grande e moderno centro urbano com costumes históricos. E o maior mérito aqui são os próprios personagens, todos dotados de vida, sentimentalmente profundos, verossímeis em suas intenções e iniciativas. Os diálogos soam naturais e envolventes, conduzindo o espectador ao lado dos acontecimentos, que deste modo adquirem nova importância diante nossos olhos.
THE BUBBLE é um filme que, mais do que assistido e reverenciado, merece ser sentido, da forma mais íntima que a expressão pode ter. E se o final incomoda, é justamente por ser absurdamente real. Não é um romance hollywoodiano de conto de fadas e cor de rosa - é, sim, o amor duro e contemporâneo, que surge mesmo nas condições mais improváveis, e que apesar de tudo luta para encontrar seus meios de expressão. Mesmo que estes não sejam os mais razoáveis, são, porém, os únicos naquele horizonte. E se merecem ser alterados, cabe a cada um a responsabilidade pelo mundo em que vivemos e pelo estado em que ele se encontra. Afinal, intolerância não é explicitada só em grandes atos ou decisões, mas principalmente dentro de nossas casas, no calor da cama e quando estamos mais entregues do que nunca. Justamente quando somos mais verdadeiros.
The Bubble, Israel, 2006
(nota 8,5)
domingo, setembro 30, 2007
domingo, setembro 23, 2007
HAIRSPRAY
O que há de errado em HAIRSPRAY - EM BUSCA DA FAMA? Absolutamente nada! O filme é absurdamente perfeito! A direção generosa, as atuações dedicadas do elenco, a trilha sonora criativa e envolvente, a direção de arte colorida e esfuziante... tudo funciona à perfeição! E sempre é um prazer inegável quando um projeto cercado de tantas expectativas termina por cumpri-las à contento, satisfazendo desde os fãs mais ardorosos até os simples curiosos.
Para se entender um pouco desta história é preciso estar por dentro de suas origens. John Samuel Waters Jr., quando adolescente, tinha como uma de suas maiores diversões assistir a um programa musical vespertino que era uma verdadeira febre entre os jovens da Baltimore dos anos 60. E ele estava sempre acompanhado do seu melhor amigo, Harris Glen Milstead. Décadas se passaram e, lá pela metade dos anos 80, o garoto já havia crescido e era conhecido somente como John Waters, cineasta. E foi nesta época que ele resolveu fazer um filme quase autobiográfico, chamando para ser um dos protagonistas aquele mesmo amigo, que agora era um travesti que atendia pelo nome de Divine! O nome do longa era HAIRSPRAY - E ÉRAMOS TODOS JOVENS, usando os cabelos estáticos para falar sobre a necessidade de se adaptar aos novos tempos, do preconceito contra os "diferentes" e da mudança de pensamento que os jovens estavam causando na sociedade.
Sucesso no circuito alternativo, o HAIRSPRAY que chegou às telas em 1988 acabou inspirando uma versão musical, levada à Broadway em 2002 com um impressionante retorno de público e de crítica - foram 13 Tonys (o Oscar do teatro norte-americano) conquistados! E, numa trajetória semelhante a que aconteceu com OS PRODUTORES (1968 / 2001 / 2005), HAIRSPRAY volta às telas, porém totalmente remodelado e na mesma versão dos palcos! O bom resultado se repetiu mais uma vez: mais de US$ 114 milhões arrecadados nas bilheterias só nos EUA, além de 93% de aprovação no Rotten Tomatoes (em 184 críticas, apenas 13 falaram mal do filme)! Já premiado como Melhor Elenco no Hollywood Film Festival, com certeza deve causar impacto nas escolhas do final do ano, especialmente no Oscar e no Globo de Ouro!
E qual a história de HAIRSPRAY? Bom, a trama começa com duas colegas de escola saindo correndo da aula para não perder o início do The Corny Collins Show - programa de tv que mostra as últimas músicas e danças que fazem a cabeça da garotada, além de ser patrocinado por um spray de cabelos que dita a moda entre a juventude! Neste dia elas descobrem que vai abrir uma vaga no show, e a mais gordinha das duas resolve fazer um teste. No dia da prova ela não só é recusada pela produtora megera - e mãe de uma das dançarinas - como se envolve numa questão racista. É que uma vez por mês o programa apresenta o "Negro Day", um dia que que tanto os dançarinos quanto o próprio apresentador são substituído por negros, que mostram o "outro lado da música das ruas". A menina acredita que "todos os dias deveriam ser como o 'Negro Day'", ou seja, que não deveria haver esta separação racial, e que os números performáticos merecem ser integrados. Ao mesmo tempo em que isso assusta os produtores do programa, agrada o público, que começa a votar nela para ser a próxima "Miss Teen Hairspray"!
Adam Shankman, diretor de comédias constrangedoras como DOZE É DEMAIS 2 e OPERAÇÃO BABÁ (ambas de 2005), disse que HAIRSPRAY é o seu "primeiro filme de verdade"! Sim, porque ele foi um premiado coreógrafo da Broadway, levado meio que ao acaso para o cinema. E agora finalmente pode mostrar tudo o que sabe, revelando um potencial inusitado! Ele não só conduz a história com respeito, cuidado e sabedoria, como prepara cada momento com precisão, desde a entrada de personagens chaves (Velma von Tussle, Edna Turnblad, Motormouth Maybelle) até o momento clímax de cada um, todos donos de no mínimo um grande número musical. As letras de Marc Shaiman e Scott Wittman não só contribuem decisivamente no desenvolvimento do enredo, como também são dotados de carisma, inteligência e uma fina ironia. E, claro, são totalmente harmoniosas, daquelas que grudam e nos fazem sair cantarolando após o término da sessão!
Já o elenco é, por si só, um mérito à parte! A começar pela protagonista Nikki Blonski, uma desconhecida que até pouco tempo atendia numa sorveteria em Nova York! A menina é surpreendente, desempenhando a maioria das canções com uma desenvoltura de profissional, simpática e com ótima voz! Já John Travolta, como a mamãe Edna, é outro espanto! Mesmo sob uma roupa de treze quilos ele consegue dotar sua personagem de uma leveza e delicadeza singular. Michelle Pfeiffer marca sua volta às telas - após 5 anos afastada - em grande estilo, compondo uma vilã memorável. Queen Latifah faz muito mais aqui do que em CHICAGO (2002), outro musical que lhe rendeu uma indicação ao Oscar! Zac Efron mostra que o fenômeno alcançado em HIGH SCHOOL MUSICAL talvez não seja passageiro - ele sabe dançar, cantar e encantar! James Marsden (X-MEN) comprova uma experiência de anos nos palcos da Broadway, enquanto que Christopher Walken mostra mais uma vez porque é um dos atores mais requisitados de Hollywood! Se ele é bom até quando está num filme ruim, imagina neste, que é ótimo?
HAIRSPRAY - EM BUSCA DA FAMA é envolvente, empolgante, colorido, agitado e divertido. Mas, ao mesmo tempo, é sério, crítico, politicamente engajado e consciente de suas responsabilidades e possibilidades. Um feito raro: uma obra que faz pensar enquanto entretém com muita garra. Um filme para ser visto e revisto, analisado com cuidado e usado como referência futura. Quem disse que algo "leve" deve ser leviano? O que temos aqui é justamente o contrário. Afinal, como diz o próprio slogan da produção, "se você quer ser grande é preciso pensar grande"! E aqui todos pensaram "grande" na medida exata!
Hairspray, EUA, 2007
(nota 10)
Para se entender um pouco desta história é preciso estar por dentro de suas origens. John Samuel Waters Jr., quando adolescente, tinha como uma de suas maiores diversões assistir a um programa musical vespertino que era uma verdadeira febre entre os jovens da Baltimore dos anos 60. E ele estava sempre acompanhado do seu melhor amigo, Harris Glen Milstead. Décadas se passaram e, lá pela metade dos anos 80, o garoto já havia crescido e era conhecido somente como John Waters, cineasta. E foi nesta época que ele resolveu fazer um filme quase autobiográfico, chamando para ser um dos protagonistas aquele mesmo amigo, que agora era um travesti que atendia pelo nome de Divine! O nome do longa era HAIRSPRAY - E ÉRAMOS TODOS JOVENS, usando os cabelos estáticos para falar sobre a necessidade de se adaptar aos novos tempos, do preconceito contra os "diferentes" e da mudança de pensamento que os jovens estavam causando na sociedade.
Sucesso no circuito alternativo, o HAIRSPRAY que chegou às telas em 1988 acabou inspirando uma versão musical, levada à Broadway em 2002 com um impressionante retorno de público e de crítica - foram 13 Tonys (o Oscar do teatro norte-americano) conquistados! E, numa trajetória semelhante a que aconteceu com OS PRODUTORES (1968 / 2001 / 2005), HAIRSPRAY volta às telas, porém totalmente remodelado e na mesma versão dos palcos! O bom resultado se repetiu mais uma vez: mais de US$ 114 milhões arrecadados nas bilheterias só nos EUA, além de 93% de aprovação no Rotten Tomatoes (em 184 críticas, apenas 13 falaram mal do filme)! Já premiado como Melhor Elenco no Hollywood Film Festival, com certeza deve causar impacto nas escolhas do final do ano, especialmente no Oscar e no Globo de Ouro!
E qual a história de HAIRSPRAY? Bom, a trama começa com duas colegas de escola saindo correndo da aula para não perder o início do The Corny Collins Show - programa de tv que mostra as últimas músicas e danças que fazem a cabeça da garotada, além de ser patrocinado por um spray de cabelos que dita a moda entre a juventude! Neste dia elas descobrem que vai abrir uma vaga no show, e a mais gordinha das duas resolve fazer um teste. No dia da prova ela não só é recusada pela produtora megera - e mãe de uma das dançarinas - como se envolve numa questão racista. É que uma vez por mês o programa apresenta o "Negro Day", um dia que que tanto os dançarinos quanto o próprio apresentador são substituído por negros, que mostram o "outro lado da música das ruas". A menina acredita que "todos os dias deveriam ser como o 'Negro Day'", ou seja, que não deveria haver esta separação racial, e que os números performáticos merecem ser integrados. Ao mesmo tempo em que isso assusta os produtores do programa, agrada o público, que começa a votar nela para ser a próxima "Miss Teen Hairspray"!
Adam Shankman, diretor de comédias constrangedoras como DOZE É DEMAIS 2 e OPERAÇÃO BABÁ (ambas de 2005), disse que HAIRSPRAY é o seu "primeiro filme de verdade"! Sim, porque ele foi um premiado coreógrafo da Broadway, levado meio que ao acaso para o cinema. E agora finalmente pode mostrar tudo o que sabe, revelando um potencial inusitado! Ele não só conduz a história com respeito, cuidado e sabedoria, como prepara cada momento com precisão, desde a entrada de personagens chaves (Velma von Tussle, Edna Turnblad, Motormouth Maybelle) até o momento clímax de cada um, todos donos de no mínimo um grande número musical. As letras de Marc Shaiman e Scott Wittman não só contribuem decisivamente no desenvolvimento do enredo, como também são dotados de carisma, inteligência e uma fina ironia. E, claro, são totalmente harmoniosas, daquelas que grudam e nos fazem sair cantarolando após o término da sessão!
Já o elenco é, por si só, um mérito à parte! A começar pela protagonista Nikki Blonski, uma desconhecida que até pouco tempo atendia numa sorveteria em Nova York! A menina é surpreendente, desempenhando a maioria das canções com uma desenvoltura de profissional, simpática e com ótima voz! Já John Travolta, como a mamãe Edna, é outro espanto! Mesmo sob uma roupa de treze quilos ele consegue dotar sua personagem de uma leveza e delicadeza singular. Michelle Pfeiffer marca sua volta às telas - após 5 anos afastada - em grande estilo, compondo uma vilã memorável. Queen Latifah faz muito mais aqui do que em CHICAGO (2002), outro musical que lhe rendeu uma indicação ao Oscar! Zac Efron mostra que o fenômeno alcançado em HIGH SCHOOL MUSICAL talvez não seja passageiro - ele sabe dançar, cantar e encantar! James Marsden (X-MEN) comprova uma experiência de anos nos palcos da Broadway, enquanto que Christopher Walken mostra mais uma vez porque é um dos atores mais requisitados de Hollywood! Se ele é bom até quando está num filme ruim, imagina neste, que é ótimo?
HAIRSPRAY - EM BUSCA DA FAMA é envolvente, empolgante, colorido, agitado e divertido. Mas, ao mesmo tempo, é sério, crítico, politicamente engajado e consciente de suas responsabilidades e possibilidades. Um feito raro: uma obra que faz pensar enquanto entretém com muita garra. Um filme para ser visto e revisto, analisado com cuidado e usado como referência futura. Quem disse que algo "leve" deve ser leviano? O que temos aqui é justamente o contrário. Afinal, como diz o próprio slogan da produção, "se você quer ser grande é preciso pensar grande"! E aqui todos pensaram "grande" na medida exata!
Hairspray, EUA, 2007
(nota 10)
sábado, setembro 22, 2007
SANTIAGO
Um filme feito a partir da idéia de se fazer um filme. Assim é SANTIAGO, documentário de João Moreira Salles, o mesmo diretor de NOTÍCIAS DE UMA GUERRA PARTICULAR, NELSON FREIRE e ENTREATOS. Agora, ao invés de tratar do caos social do país, de um dos maiores exponentes da cultura nacional ou de realizar uma crônica política, ele faz uso de uma iniciativa inacabado para tentar iluminar uma discussão filosófica a respeito do ofício que desempenha, de sua arte e da própria existência. E o resultado é arrebatador.
O projeto "Santiago - O Filme" começou em 1992, quando o diretor tinha apenas 30 anos. A idéia era retratar a vida e as idéias do mordomo da família Salles, um tipo de homem que não mais existe nos dias de hoje - dedicado ao trabalho, à honra, aos detalhes, à etica e às belas artes. Joãozinho - como o cineasta era chamado por Santiago - entrevistou seu personagem durante cinco dias e depois, já diante deste material, chegou à conclusão de que não tinha ali um filme como imaginara. Tudo que fora captado acabou deixado de lado, para ser redescoberto 13 anos depois, em 2005. João Moreira, mais experiente e com uma carreira consolidada, conseguiu exercer um novo olhar sobre aqueles depoimentos, editando uma obra que transcende a proposta inicial. SANTIAGO não fala de um homem em extinção, e sim de uma reflexão sobre nostalgia e a arte de contar histórias.
Com este novo foco, o diretor consegue perceber fatos imprescindíveis que até então estavam escondidos. Como a natureza daquele que dá título ao filme: quem havia conversado com ele anos atrás não fora o "homem" Santiago, e sim o Santiago "mordomo". Era uma relação patrão-empregado que estava em cena, o que comprometera o resultado daquela época. Hoje, mais crítico, ele consegue driblar estas limitações, fazendo uso delas para uma análise das próprias estruturas de poder. Assim, aproveita-se do fazer cinematográfico para discutir servilismo, cultura, sociedade e até mesmo política, mas sempre através de um viés contemplativo, mais no campo das idéias do que da prática. E esta se faz presente no filme apresentado, que por si só fala alto o suficiente.
Com uma bela fotografia em preto e branco de Walter Carvalho (de CENTRAL DO BRASIL e co-diretor de CAZUZA - O TEMPO NÃO PÁRA) e montagem discreta de Eduardo Escorel (de CABRA MARCADO PARA MORRER e DOIS PERDIDOS NUMA NOITE SUJA), SANTIAGO é o ponto mais alto da carreira de João Moreira Salles enquanto realizador cinematográfico. Moço bem educado de família rica, ele consegue se distanciar de suas origens para se transmutar num espectador da decadência social e artística, oferecendo um infinitude de opções para serem discutidas durante este processo de descoberta. Há aqui uma lição de vida a ser aprendida e estudada, mas mais do que isso está em questão um assunto de extrema relevância: a nossa própria revelação enquanto espectadores do mundo, e como tudo que está a nossa volta pode adquirir múltiplos significados, bastando para isso a definição da sintonia que estes fatos, pessoas e objetos estabelecem com nosso acervo pessoal e histórico. SANTIAGO é vida, e como tal está em constante mudança. E por isso mesmo que seus méritos são tão evidentes.
Santiago, Brasil, 2007
(nota 9)
O projeto "Santiago - O Filme" começou em 1992, quando o diretor tinha apenas 30 anos. A idéia era retratar a vida e as idéias do mordomo da família Salles, um tipo de homem que não mais existe nos dias de hoje - dedicado ao trabalho, à honra, aos detalhes, à etica e às belas artes. Joãozinho - como o cineasta era chamado por Santiago - entrevistou seu personagem durante cinco dias e depois, já diante deste material, chegou à conclusão de que não tinha ali um filme como imaginara. Tudo que fora captado acabou deixado de lado, para ser redescoberto 13 anos depois, em 2005. João Moreira, mais experiente e com uma carreira consolidada, conseguiu exercer um novo olhar sobre aqueles depoimentos, editando uma obra que transcende a proposta inicial. SANTIAGO não fala de um homem em extinção, e sim de uma reflexão sobre nostalgia e a arte de contar histórias.
Com este novo foco, o diretor consegue perceber fatos imprescindíveis que até então estavam escondidos. Como a natureza daquele que dá título ao filme: quem havia conversado com ele anos atrás não fora o "homem" Santiago, e sim o Santiago "mordomo". Era uma relação patrão-empregado que estava em cena, o que comprometera o resultado daquela época. Hoje, mais crítico, ele consegue driblar estas limitações, fazendo uso delas para uma análise das próprias estruturas de poder. Assim, aproveita-se do fazer cinematográfico para discutir servilismo, cultura, sociedade e até mesmo política, mas sempre através de um viés contemplativo, mais no campo das idéias do que da prática. E esta se faz presente no filme apresentado, que por si só fala alto o suficiente.
Com uma bela fotografia em preto e branco de Walter Carvalho (de CENTRAL DO BRASIL e co-diretor de CAZUZA - O TEMPO NÃO PÁRA) e montagem discreta de Eduardo Escorel (de CABRA MARCADO PARA MORRER e DOIS PERDIDOS NUMA NOITE SUJA), SANTIAGO é o ponto mais alto da carreira de João Moreira Salles enquanto realizador cinematográfico. Moço bem educado de família rica, ele consegue se distanciar de suas origens para se transmutar num espectador da decadência social e artística, oferecendo um infinitude de opções para serem discutidas durante este processo de descoberta. Há aqui uma lição de vida a ser aprendida e estudada, mas mais do que isso está em questão um assunto de extrema relevância: a nossa própria revelação enquanto espectadores do mundo, e como tudo que está a nossa volta pode adquirir múltiplos significados, bastando para isso a definição da sintonia que estes fatos, pessoas e objetos estabelecem com nosso acervo pessoal e histórico. SANTIAGO é vida, e como tal está em constante mudança. E por isso mesmo que seus méritos são tão evidentes.
Santiago, Brasil, 2007
(nota 9)
sexta-feira, setembro 21, 2007
EU OS DECLARO MARIDO E... LARRY!
EU OS DECLARO MARIDO E... LARRY! tinha tudo para ser o filme mais homofóbico e preconceituoso do ano. Afinal, a trama não é das mais "iluminadas". Senão, veja bem: dois bombeiros - uma das profissões que mais "povoam" o imaginário gay - decidem se casar, apesar de serem heterossexuais, apenas para que um deles consiga benefícios do governo. Como são vítimas de suspeita, precisam fingir que são homossexuais apaixonados, abusando de todos os clichês e estereótipos do gênero. Sim, está tudo lá, por mais previsível e bizarro que possa parecer. Mas, mesmo assim, o resultado não é dos piores, e no final o que acaba prevalecendo é a mensagem de tolerância e respeito, uma discussão sempre saudável de ser levantada.
O maior medo nem era o tema em si, mas nas mãos de quem ele estava depositado. Afinal Adam Sandler - assim como Jim Carrey ou Will Farrell, por exemplo - pode até ser um bom ator em projetos "sérios" (como no surpreendente EMBRIAGADO DE AMOR), mas o humor que emprega nas comédias é, via de regra, escrachado, pastelão e ofensivo. Este mesmo tom também se faz presente aqui, mas de modo muito mais leve, e ainda assim dentro de um propósito, visando a transformação dos protagonistas.
Sandler faz o machão conquistador que teve sua vida salva em trabalho pelo colega e por isso acaba aceitando o pedido maluco. Kevin James (HITCH - CONSELHEIRO AMOROSO) é viúvo e com duas crianças para criar. Como não está conseguindo incluir os filhos no plano de saúde, descobre que a maneira mais fácil para que isso aconteça é se casando novamente - e daí a idéia de chamar o amigo. Já a estonteante Jessica Biel (O ILUSIONISTA) é a advogada chamada para ajudá-los na defesa, ao mesmo tempo que, mesmo sem saber, estará atrapalhando os planos dos dois, já que vira objeto de desejo do mais assanhado. Aos poucos o falso casal gay vai se envolvendo no mundo gls, e neste processo se vê - e juntamente o espectador - superando as falsas idéias pré-concebidas, descobrindo uma nova realidade e adquirindo uma sensibilidade até então insuspeita.
Se Dennis Dugan provavelmente nunca será um diretor de renome (é responsável por filmes como O PAIZÃO e OS ESQUENTA-BANCOS) e os dois protagonistas não inspiram muito respeito, há três outros nomes que nos fazem repensar qualquer opinião apressada sobre EU OS DECLARO MARIDO E... LARRY!. Primeiro é o do roteirista Alexander Payne, vencedor do Oscar por SIDEWAYS - ENTRE UMAS E OUTRAS e diretor de obras elogiadas como AS CONFISSÕES DE SCHMIDT e ELEIÇÃO. Ele é o principal crédito por trás do enredo do filme, tendo escrito a maioria dos diálogos e o argumento inicial. Isso indica a natureza da trama, que mesmo coberta por piadas rápidas e visuais, é dotada de uma profundidade razoável. E por fim tem-se a dupla Richard Chamberlain (ator de PÁSSAROS FERIDOS) e Lance Bass (cantor do grupo N'Sync), duas celebridades que há pouco se assumiram como homossexuais e atualmente são ativistas gls. Suas participações são pequenas, mas elas certamente não teriam se envolvido neste projeto caso considerassem ofensivo e contrário a uma causa que tanto defendem.
E, acima de tudo, é importante ter algo em mente: EU OS DECLARO MARIDO E... LARRY! é uma comédia feita para grandes públicos. Assim sendo, é até louvável perceber como consegue escapar da superficialidade que impera neste gênero, mesmo que atingindo suas intenções originais. Tanto que somou mais de US$ 117 milhões somente nas bilheterias norte-americanas. E se o sucesso popular estiver acompanhado de uma lampejo de mensagem contra a discriminação e a favor das diferenças, já é ótimo. Mesmo que seja com a cara do Adam Sandler à frente do elenco!
I Now Pronounce You Chuck and Larry, EUA, 2007
(nota 6)
O maior medo nem era o tema em si, mas nas mãos de quem ele estava depositado. Afinal Adam Sandler - assim como Jim Carrey ou Will Farrell, por exemplo - pode até ser um bom ator em projetos "sérios" (como no surpreendente EMBRIAGADO DE AMOR), mas o humor que emprega nas comédias é, via de regra, escrachado, pastelão e ofensivo. Este mesmo tom também se faz presente aqui, mas de modo muito mais leve, e ainda assim dentro de um propósito, visando a transformação dos protagonistas.
Sandler faz o machão conquistador que teve sua vida salva em trabalho pelo colega e por isso acaba aceitando o pedido maluco. Kevin James (HITCH - CONSELHEIRO AMOROSO) é viúvo e com duas crianças para criar. Como não está conseguindo incluir os filhos no plano de saúde, descobre que a maneira mais fácil para que isso aconteça é se casando novamente - e daí a idéia de chamar o amigo. Já a estonteante Jessica Biel (O ILUSIONISTA) é a advogada chamada para ajudá-los na defesa, ao mesmo tempo que, mesmo sem saber, estará atrapalhando os planos dos dois, já que vira objeto de desejo do mais assanhado. Aos poucos o falso casal gay vai se envolvendo no mundo gls, e neste processo se vê - e juntamente o espectador - superando as falsas idéias pré-concebidas, descobrindo uma nova realidade e adquirindo uma sensibilidade até então insuspeita.
Se Dennis Dugan provavelmente nunca será um diretor de renome (é responsável por filmes como O PAIZÃO e OS ESQUENTA-BANCOS) e os dois protagonistas não inspiram muito respeito, há três outros nomes que nos fazem repensar qualquer opinião apressada sobre EU OS DECLARO MARIDO E... LARRY!. Primeiro é o do roteirista Alexander Payne, vencedor do Oscar por SIDEWAYS - ENTRE UMAS E OUTRAS e diretor de obras elogiadas como AS CONFISSÕES DE SCHMIDT e ELEIÇÃO. Ele é o principal crédito por trás do enredo do filme, tendo escrito a maioria dos diálogos e o argumento inicial. Isso indica a natureza da trama, que mesmo coberta por piadas rápidas e visuais, é dotada de uma profundidade razoável. E por fim tem-se a dupla Richard Chamberlain (ator de PÁSSAROS FERIDOS) e Lance Bass (cantor do grupo N'Sync), duas celebridades que há pouco se assumiram como homossexuais e atualmente são ativistas gls. Suas participações são pequenas, mas elas certamente não teriam se envolvido neste projeto caso considerassem ofensivo e contrário a uma causa que tanto defendem.
E, acima de tudo, é importante ter algo em mente: EU OS DECLARO MARIDO E... LARRY! é uma comédia feita para grandes públicos. Assim sendo, é até louvável perceber como consegue escapar da superficialidade que impera neste gênero, mesmo que atingindo suas intenções originais. Tanto que somou mais de US$ 117 milhões somente nas bilheterias norte-americanas. E se o sucesso popular estiver acompanhado de uma lampejo de mensagem contra a discriminação e a favor das diferenças, já é ótimo. Mesmo que seja com a cara do Adam Sandler à frente do elenco!
I Now Pronounce You Chuck and Larry, EUA, 2007
(nota 6)
quinta-feira, setembro 20, 2007
O ULTIMATO BOURNE
Matt Damon é um dos mais improváveis astros do cinema hollywoodiano. O cara penou anos como coadjuvante em comédias bobinhas até emagrecer muito quilos e ser notado numa pequena participação em CORAGEM SOB FOGO (1996). Depois vieram trabalhos com diretores conceituados, como Francis Ford Coppola (O HOMEM QUE FAZIA CHOVER, 1997) e Steven Spielberg (O RESGATE DO SOLDADO RYAN, 1998), até a consagração em GÊNIO INDOMÁVEL (1997), de Gus Van Sant, pelo qual concorreu ao Oscar de Melhor Ator e levou a estatueta dourada na categoria de Melhor Roteiro Original. Desde então, nesta última década ele vem alternando obras engajadas (SYRIANA, O BOM PASTOR), desempenhos elogiados (OS INFILTRADOS, O TALENTOSO RIPLEY), campeões de bilheteria (a trilogia ONZE HOMENS E UM SEGREDO) e alguns percalços (LIGADO EM VOCÊ, OS IRMÃOS GRIMM). Mas o melhor dele - atuação, carisma, empenho - pode ser encontrado apenas em três filmes: a trilogia BOURNE, composta por este ULTIMATO e pelos anteriores IDENTIDADE (2002) e SUPREMACIA (2004).
Se no primeiro filme fomos apresentados a um espião secreto desmemoriado que buscava salvar sua pele de assassinos profissionais e no segundo presenciamos o início da luta por vingança, agora ele está mais perto do que nunca da sua própria história, relembrando fatos cruciais e prestes a revelar os culpados pelo destino trilhado até este momento. O melhor é que esta é uma série absurdamente concisa. Cada episódio foi feito, pensado e elaborado separadamente um do outro, e em alguns casos não tendo nada além do título como semelhança aos livros originais de Robert Ludlum. E, mesmo assim, tudo faz muito sentido! É um material novo, sintonizado com a modernidade, ágil e muito bem realizado. Doug Liman (SR. E SRA. SMITH) dirigiu o primeiro filme e produziu os dois seguintes, que tiveram como diretor Paul Greengrass, indicado ao Oscar neste ano por VÔO UNITED 93. Os dois delinearam um caminho muito seguro, e tudo segue exatamente de acordo com o proposto, mesmo que nunca previsível ou corriqueiro: inovação e ousadia são palavras-chave na produção, e quem mais ganha é o espectador.
Tramas como agentes secretos são quase um subgênero dentro do cinema norte-americano. Mas poucos são tão sérios e, ainda assim, empolgantes quanto os filmes BOURNE. Tudo que Jason Bourne (Damon, encarnando com precisão o personagem, por mais surpreendente que isto possa parecer) faz, suas atitudes e decisões, são absolutamente naturais e convincentes, como se estivéssemos refletindo cada novo problema ao lado dele. Os traumas que ele enfrenta, os perigos superados e as conquistas almejadas são vivenciadas pela platéia em igual intensidade, tornando cada filme uma jornada única.
O ULTIMATO BOURNE é, sem sombra de dúvida, o melhor blockbuster da temporada de férias nos Estados Unidos. HOMEM-ARANHA 3, PIRATAS DO CARIBE 3, SHREK 3, TREZE HOMENS E UM NOVO SEGREDO, QUARTETO FANTÁSTICO 2, HARRY POTTER 5, DURO DE MATAR 4.0, TRANSFORMERS, OS SIMPSONS, RATATOUILLE... alguns foram mais bem sucedidos do que outros, mas em geral todos acabaram decepcionando em algum ponto. Com exceção deste aqui, perfeito em praticamente todos os quesitos. Com um elenco coadjuvante impressionante (Joan Allen, David Strathairn, Albert Finney, Julia Stiles, Daniel Brühl, Scott Glenn, Paddy Considine), um diretor plenamente consciente de sua história e das possibilidades à disposição e um protagonista em sua melhor forma, este BOURNE 3 consegue combinar entretenimento, lógica, inteligência e diversão como poucos. Um mérito cada vez mais raro, e que merece ser reconhecido.
The Bourne Ultimatum, EUA, 2007
(nota 9)
Se no primeiro filme fomos apresentados a um espião secreto desmemoriado que buscava salvar sua pele de assassinos profissionais e no segundo presenciamos o início da luta por vingança, agora ele está mais perto do que nunca da sua própria história, relembrando fatos cruciais e prestes a revelar os culpados pelo destino trilhado até este momento. O melhor é que esta é uma série absurdamente concisa. Cada episódio foi feito, pensado e elaborado separadamente um do outro, e em alguns casos não tendo nada além do título como semelhança aos livros originais de Robert Ludlum. E, mesmo assim, tudo faz muito sentido! É um material novo, sintonizado com a modernidade, ágil e muito bem realizado. Doug Liman (SR. E SRA. SMITH) dirigiu o primeiro filme e produziu os dois seguintes, que tiveram como diretor Paul Greengrass, indicado ao Oscar neste ano por VÔO UNITED 93. Os dois delinearam um caminho muito seguro, e tudo segue exatamente de acordo com o proposto, mesmo que nunca previsível ou corriqueiro: inovação e ousadia são palavras-chave na produção, e quem mais ganha é o espectador.
Tramas como agentes secretos são quase um subgênero dentro do cinema norte-americano. Mas poucos são tão sérios e, ainda assim, empolgantes quanto os filmes BOURNE. Tudo que Jason Bourne (Damon, encarnando com precisão o personagem, por mais surpreendente que isto possa parecer) faz, suas atitudes e decisões, são absolutamente naturais e convincentes, como se estivéssemos refletindo cada novo problema ao lado dele. Os traumas que ele enfrenta, os perigos superados e as conquistas almejadas são vivenciadas pela platéia em igual intensidade, tornando cada filme uma jornada única.
O ULTIMATO BOURNE é, sem sombra de dúvida, o melhor blockbuster da temporada de férias nos Estados Unidos. HOMEM-ARANHA 3, PIRATAS DO CARIBE 3, SHREK 3, TREZE HOMENS E UM NOVO SEGREDO, QUARTETO FANTÁSTICO 2, HARRY POTTER 5, DURO DE MATAR 4.0, TRANSFORMERS, OS SIMPSONS, RATATOUILLE... alguns foram mais bem sucedidos do que outros, mas em geral todos acabaram decepcionando em algum ponto. Com exceção deste aqui, perfeito em praticamente todos os quesitos. Com um elenco coadjuvante impressionante (Joan Allen, David Strathairn, Albert Finney, Julia Stiles, Daniel Brühl, Scott Glenn, Paddy Considine), um diretor plenamente consciente de sua história e das possibilidades à disposição e um protagonista em sua melhor forma, este BOURNE 3 consegue combinar entretenimento, lógica, inteligência e diversão como poucos. Um mérito cada vez mais raro, e que merece ser reconhecido.
The Bourne Ultimatum, EUA, 2007
(nota 9)
terça-feira, setembro 18, 2007
CIDADE DOS HOMENS
Uma das maiores - e mais bem-sucedidas - sagas do cinema brasileiro chega ao fim com CIDADE DOS HOMENS. Porém, ao contrário do que muitos possam pensar, este filme não é continuação de CIDADE DE DEUS, e sim o ponto final de um projeto que começou antes ainda, em 2002, com o curta PALACE II. Este projeto apresentou pela primeira vez os personagens Acerola (Douglas Silva) e Laranjinha (Darlan Cunha), dois garotos favelados. As histórias por eles protagonizadas continuaram na série de tv "Cidade dos Homens", que teve quatro temporadas de excelente retorno crítico e de audiência na Rede Globo, e se encerra agora na tela grande. E ao contrário do que se poderia supor, o que temos em cena não é um episódio alongado, mas sim uma trama independente e relevante, que merecia ser contada numa mídia mais específica, concluindo em alto estilo esta epopéia.
Se PALACE II (dirigido por Fernando Meirelles e Kátia Lund e roteirizado por Bráulio Mantovani e Paulo Lins, a mesma equipe por trás de CDD) serviu como um laboratório ao aclamado longa de Meirelles - que somou em sua excepcional carreira quatro indicações ao Oscar, mais de três milhões de espectadores no Brasil e cerca de US$ 27 milhões de dólares de arrecadação mundial nas bilheterias - foi somente com o este desdobramento - o próprio "Cidade dos Homens", seja no cinema, seja na televisão - que algumas questões mais íntimas e urgentes desse microcosmo puderam ser melhor trabalhadas. Proporcionando, deste modo, um olhar mais complacente e, ao mesmo tempo, crítico.
CIDADE DOS HOMENS, o filme, traz ao centro da discussão um dos temas mais caros e recorrentes dentre a população enfocada: a ausência paterna. Enquanto Acerola está aprendendo a ser pai logo aos 18 anos, Laranjinha recebe a maioridade com uma inquietação: quem é - ou foi - seu pai? Os dois, amigos desde a infância, tentaram juntos aprender como responder estas inquietações. O fato de termos acompanhado a evolução dos dois personagens é extremamente gratificante, pois se crescemos ao lado deles, melhor compreendemos as motivações que os guiam. E para isto não se faz necessário ter assistido a tudo já produzido com eles: o uso de flashbacks pelo enredo é muito bem articulado, colocado em momentos cruciais e sem exploração. O excelente arquivo natural é posto à serviço do roteiro, contribuindo positivamente para todos os envolvidos.
Fernando Meirelles, após o sucesso internacional de CDD, tem se envolvido cada vez mais em projetos hollywoodianos, como o elogiado O JARDINEIRO FIEL e o ainda inédito BLINDNESS. Assim, ele assume como produtor, abrindo espaço para o sócio dele na produtora O2, Paulo Morelli (VIVA VOZ), tomar conta da direção de CIDADE DOS HOMENS. A transferência de mão pouco se sente, e o resultado apresentado é muito satisfatório. O que carece em CDH é a ambição, ousadia, originalidade e, acima de tudo, ineditismo presente no filme anterior, que provocou outros olhares, opiniões e reflexões sobre o cinema feito no Brasil. Este novo filme não quer traçar um painel grandioso sobre um problema social - não, a vez agora é de narrar o que acontece a dois moradores daquele universo, propondo uma visão mais íntima e, ainda assim, universal.
CIDADE DOS HOMENS não é o melhor filme do ano. Não é inesquecível ou revolucionário. Mas é um alento dentro de uma temporada de poucas surpresas. E, acima de tudo, é um trabalho honesto e sincero, que cumpre com honra o que se propõe, se posicionando como mais uma peça dentro de um contexto maior e que está firmado no cenário cinematográfico nacional. Sua ascendência é intimidante, mas ninguém aqui ficou aquém do esperado, e o que temos é uma obra singular, competente e digna de méritos próprios.
Cidade dos Homens, Brasil, 2007
(nota 8)
Se PALACE II (dirigido por Fernando Meirelles e Kátia Lund e roteirizado por Bráulio Mantovani e Paulo Lins, a mesma equipe por trás de CDD) serviu como um laboratório ao aclamado longa de Meirelles - que somou em sua excepcional carreira quatro indicações ao Oscar, mais de três milhões de espectadores no Brasil e cerca de US$ 27 milhões de dólares de arrecadação mundial nas bilheterias - foi somente com o este desdobramento - o próprio "Cidade dos Homens", seja no cinema, seja na televisão - que algumas questões mais íntimas e urgentes desse microcosmo puderam ser melhor trabalhadas. Proporcionando, deste modo, um olhar mais complacente e, ao mesmo tempo, crítico.
CIDADE DOS HOMENS, o filme, traz ao centro da discussão um dos temas mais caros e recorrentes dentre a população enfocada: a ausência paterna. Enquanto Acerola está aprendendo a ser pai logo aos 18 anos, Laranjinha recebe a maioridade com uma inquietação: quem é - ou foi - seu pai? Os dois, amigos desde a infância, tentaram juntos aprender como responder estas inquietações. O fato de termos acompanhado a evolução dos dois personagens é extremamente gratificante, pois se crescemos ao lado deles, melhor compreendemos as motivações que os guiam. E para isto não se faz necessário ter assistido a tudo já produzido com eles: o uso de flashbacks pelo enredo é muito bem articulado, colocado em momentos cruciais e sem exploração. O excelente arquivo natural é posto à serviço do roteiro, contribuindo positivamente para todos os envolvidos.
Fernando Meirelles, após o sucesso internacional de CDD, tem se envolvido cada vez mais em projetos hollywoodianos, como o elogiado O JARDINEIRO FIEL e o ainda inédito BLINDNESS. Assim, ele assume como produtor, abrindo espaço para o sócio dele na produtora O2, Paulo Morelli (VIVA VOZ), tomar conta da direção de CIDADE DOS HOMENS. A transferência de mão pouco se sente, e o resultado apresentado é muito satisfatório. O que carece em CDH é a ambição, ousadia, originalidade e, acima de tudo, ineditismo presente no filme anterior, que provocou outros olhares, opiniões e reflexões sobre o cinema feito no Brasil. Este novo filme não quer traçar um painel grandioso sobre um problema social - não, a vez agora é de narrar o que acontece a dois moradores daquele universo, propondo uma visão mais íntima e, ainda assim, universal.
CIDADE DOS HOMENS não é o melhor filme do ano. Não é inesquecível ou revolucionário. Mas é um alento dentro de uma temporada de poucas surpresas. E, acima de tudo, é um trabalho honesto e sincero, que cumpre com honra o que se propõe, se posicionando como mais uma peça dentro de um contexto maior e que está firmado no cenário cinematográfico nacional. Sua ascendência é intimidante, mas ninguém aqui ficou aquém do esperado, e o que temos é uma obra singular, competente e digna de méritos próprios.
Cidade dos Homens, Brasil, 2007
(nota 8)
OS SIMPSONS, O FILME
A idéia de um longa-metragem com Os Simpsons, adaptando para a tela grande os personagens que há quase duas décadas reinam absolutos na telinha como uma das mais inteligentes, populares e sarcásticas animações para adultos e crianças dos 8 aos 80 anos, era, no mínimo, uma aposta arriscada. Afinal, por quê levar para outra mídia algo que já tinha sucesso comprovado num campo específico? Mas, como no mundo do entretenimento global a palavra de ordem é a "interação", as múltiplas associações possíveis para aumentar o potencial de todo produto bem sucedido, essa transposição era quase inevitável. O bom, portanto, é notar que ela foi feita com o menor ruído possível, e o resultado é tão bom quanto um dos melhores episódios da série na televisão.
Aliás, OS SIMPSONS, O FILME nada mais é do que um destes episódios, digamos, "vitaminado" - o que, por sinal, só conta a favor! Assim, os melhores elementos do seriado são potencializados. A trama começa com uma aposta estúpida entre Homer (o pai) e Bart (o filho) que termina com o mais velho adotando um porco como animal de estimação. Apesar dos protestos de Lisa (a filha) e da promessa que fez à Marge (a esposa), ele acaba jogando as sujeiras do bicho no lago municipal, causando um desastre ecológico. Para conter o problema o presidente Arnold Schwarzenegger, por meio de um assessor muito mal intencionado, decide isolar a cidade de Springfield numa redoma de vidro. A família Simpson consegue fugir antes de ser linchada, foge para o Alasca e no final retorna, salvando todos de uma tragédia ainda maior!
Apesar de orçado em US$ 75 milhões, as previsões iniciais dos analistas especializados imaginavam uma arrecadação nos cinemas norte-americanos em torno de US$ 60 milhões (sem contar o mercado de dvd e os demais países). Pois bem, em cerca de dois meses em cartaz OS SIMPSONS, O FILME já arrecadou quase US$ 200 milhões só nos Estados Unidos e cerca de US$ 500 milhões em todo o mundo! Isso dá uma noção de que, mesmo após 18 anos no ar, tem muita gente disposta a pagar ingresso para assistir a algo que "passa todos os dias de graça na tv" (como ironicamente afirma uma das primeiras piadas do filme).
Isso sem falar do excelente retorno da crítica (88% de aprovação no Rotten Tomatoes), que aponta principalmente a fidelidade da adaptação ao espírito original da série. É mais do mesmo? É, sim. Mas qual o problema disso? Se a matéria prima é boa, o conselho é aproveitar ao máximo esta nova aventura, que dá mais espaço a alguns personagens secundários (Flanders, por exemplo), explora melhor as relações familiares entre os Simpsons (o que cada membro pensa sobre o outro nunca havia ficado tão claro) e ainda consegue oferecer novidades e ousadias, como a nudez de Bart e as participações de Tom Hanks e da banda Green Day. OS SIMPSONS, O FILME entrega ao público justamente o que promete - e já tá mais do que bom!
The Simpsons Movie, EUA, 2007
(nota 8,5)
Aliás, OS SIMPSONS, O FILME nada mais é do que um destes episódios, digamos, "vitaminado" - o que, por sinal, só conta a favor! Assim, os melhores elementos do seriado são potencializados. A trama começa com uma aposta estúpida entre Homer (o pai) e Bart (o filho) que termina com o mais velho adotando um porco como animal de estimação. Apesar dos protestos de Lisa (a filha) e da promessa que fez à Marge (a esposa), ele acaba jogando as sujeiras do bicho no lago municipal, causando um desastre ecológico. Para conter o problema o presidente Arnold Schwarzenegger, por meio de um assessor muito mal intencionado, decide isolar a cidade de Springfield numa redoma de vidro. A família Simpson consegue fugir antes de ser linchada, foge para o Alasca e no final retorna, salvando todos de uma tragédia ainda maior!
Apesar de orçado em US$ 75 milhões, as previsões iniciais dos analistas especializados imaginavam uma arrecadação nos cinemas norte-americanos em torno de US$ 60 milhões (sem contar o mercado de dvd e os demais países). Pois bem, em cerca de dois meses em cartaz OS SIMPSONS, O FILME já arrecadou quase US$ 200 milhões só nos Estados Unidos e cerca de US$ 500 milhões em todo o mundo! Isso dá uma noção de que, mesmo após 18 anos no ar, tem muita gente disposta a pagar ingresso para assistir a algo que "passa todos os dias de graça na tv" (como ironicamente afirma uma das primeiras piadas do filme).
Isso sem falar do excelente retorno da crítica (88% de aprovação no Rotten Tomatoes), que aponta principalmente a fidelidade da adaptação ao espírito original da série. É mais do mesmo? É, sim. Mas qual o problema disso? Se a matéria prima é boa, o conselho é aproveitar ao máximo esta nova aventura, que dá mais espaço a alguns personagens secundários (Flanders, por exemplo), explora melhor as relações familiares entre os Simpsons (o que cada membro pensa sobre o outro nunca havia ficado tão claro) e ainda consegue oferecer novidades e ousadias, como a nudez de Bart e as participações de Tom Hanks e da banda Green Day. OS SIMPSONS, O FILME entrega ao público justamente o que promete - e já tá mais do que bom!
The Simpsons Movie, EUA, 2007
(nota 8,5)
segunda-feira, setembro 03, 2007
INESQUECÍVEL
Chega a ser impressionante como tanta coisa pode dar errada em INESQUECÍVEL! Isso porque estamos falando de uma trama aparentemente comum aos cinéfilos e cineastas nacionais - o triângulo amoroso, vide o clássico DONA FLOR E SEUS DOIS MARIDOS ou o recente PRIMO BASÍLIO - e de um elenco minimamente competente, além de outros requisitos técnicos de destaque, como o roteirista e a produtora. Mas, sob o comando de Paulo Sérgio de Almeida, tudo combinado se põe diante o público como um dos maiores desastres da cinematografia brasileira recente, um produto previsível e constrangedor que afunda vergonhosamente em suas próprias ambições.
INESQUECÍVEL é dividido em três atos, cada um com aproximadamente 30 minutos de duração. O primeiro - o mais bem sucedido de todos - se passa em Buenos Aires e mostra o amor fulminante que surge entre o fotógrafo Guilherme (Caco Ciocler, perdido e sem direção) e a estilista e ex-modelo Laura (a esforçada estreante Guilhermina Guinle, incrivelmente a melhor do trio protagonista). Ela vai numa exposição dele, em seguida estão um na cama do outro e quando se percebe ela está num avião de volta para o Brasil e ele, desesperado, partindo em sua busca. Os dois voltam a se reecontrar no Rio de Janeiro, já na segunda etapa da história - quando as coincidências, e absurdos, começam a se proliferar: ela está de casamento marcado com o ator Diego (Murilo Benício, vergonhoso), que é o melhor amigo de Guilherme. Os três estão sempre juntos, e o ciúme do noivo passa a corromper as relações entre eles, até um final trágico. Mas o pior ainda está por vir, numa conclusão que pode ser, na melhor das hipóteses, classificada como risível: um dos vértices do triângulo, mesmo falecido, continua a atormentar a vida dos dois sobreviventes, levando-os praticamente à loucura.
Insano mesmo deve ser o espectador que tentar buscar alguma lógica neste embaralhado de referências ao cinema noir, ao suspense psicológico e ao romance como detonador de desgraças. Tudo é muito falso - os cenários, as atuações, os enquadramentos, os acontecimentos - e nada soa natural e convincente. Paulo Sérgio de Almeida, diretor de obras populares como SONHO DE VERÃO (1990), com as Paquitas, e POPSTAR (2000), XUXA E OS DUENDES (2001) e XUXA E OS DUENDES 2 (2002), todos estrelados pela 'rainha dos baixinhos', parece ter levado à sério demais o universo da apresentadora infantil, acreditando que tudo possa ser resolvido como num conto de fadas - ou, no caso, de terror inconsequente.
Benício, que já foi considerado um dos melhores atores nacionais de sua geração, com desempenhos elogiados em filmes como OS MATADORES (1997), AMORES POSSÍVEIS (2001) e O HOMEM DO ANO (2003), parece estar empenhado em confirmar que SEUS PROBLEMAS ACABARAM (2006), o filme que ele fez com a turma do Casseta & Planeta, talvez não seja uma exceção em sua carreira. Ele está sempre com a mesma expressão dura, fechada e quase cômica - de tão bizarra! Já o habitualmente interessante Caco Ciocler, de OLGA (2004) e QUASE DOIS IRMÃOS (2004), fica o tempo inteiro na procura por um registro, por uma orientação que nunca chega. Mas nada se compara ao roteiro estapafúrdio e esburacado de Marcos Bernstein, que nunca chega aos pés de seus trabalhos mais conhecidos: CENTRAL DO BRASIL (1998) e O OUTRO LADO DA RUA (2004). O enredo, baseado no conto "O Espectro", de Horácio Quiroga, nunca mostra a que veio e o que pretende, perdido entre dilemas inexistentes e em soluções fáceis e clichês. Nem a mão geralmente firme de Mariza Leão, produtora de sucessos como ZUZU ANGEL (2006) e GUERRA DE CANUDOS (1997) parece ter sido capaz de algum efeito positivo.
Com um visual televisivo, nada ousado, que a todo instante revela uma ausência total de criatividade ou planejamento, só nos resta torcer que INESQUECÍVEL cumpra o que o título promete. Dessa forma, talvez sirva de alerta para que outros cineastas nacionais evitem alguns dos desastres aqui muito bem exemplificados.
Inesquecível, Brasil, 2007
(nota 3)
INESQUECÍVEL é dividido em três atos, cada um com aproximadamente 30 minutos de duração. O primeiro - o mais bem sucedido de todos - se passa em Buenos Aires e mostra o amor fulminante que surge entre o fotógrafo Guilherme (Caco Ciocler, perdido e sem direção) e a estilista e ex-modelo Laura (a esforçada estreante Guilhermina Guinle, incrivelmente a melhor do trio protagonista). Ela vai numa exposição dele, em seguida estão um na cama do outro e quando se percebe ela está num avião de volta para o Brasil e ele, desesperado, partindo em sua busca. Os dois voltam a se reecontrar no Rio de Janeiro, já na segunda etapa da história - quando as coincidências, e absurdos, começam a se proliferar: ela está de casamento marcado com o ator Diego (Murilo Benício, vergonhoso), que é o melhor amigo de Guilherme. Os três estão sempre juntos, e o ciúme do noivo passa a corromper as relações entre eles, até um final trágico. Mas o pior ainda está por vir, numa conclusão que pode ser, na melhor das hipóteses, classificada como risível: um dos vértices do triângulo, mesmo falecido, continua a atormentar a vida dos dois sobreviventes, levando-os praticamente à loucura.
Insano mesmo deve ser o espectador que tentar buscar alguma lógica neste embaralhado de referências ao cinema noir, ao suspense psicológico e ao romance como detonador de desgraças. Tudo é muito falso - os cenários, as atuações, os enquadramentos, os acontecimentos - e nada soa natural e convincente. Paulo Sérgio de Almeida, diretor de obras populares como SONHO DE VERÃO (1990), com as Paquitas, e POPSTAR (2000), XUXA E OS DUENDES (2001) e XUXA E OS DUENDES 2 (2002), todos estrelados pela 'rainha dos baixinhos', parece ter levado à sério demais o universo da apresentadora infantil, acreditando que tudo possa ser resolvido como num conto de fadas - ou, no caso, de terror inconsequente.
Benício, que já foi considerado um dos melhores atores nacionais de sua geração, com desempenhos elogiados em filmes como OS MATADORES (1997), AMORES POSSÍVEIS (2001) e O HOMEM DO ANO (2003), parece estar empenhado em confirmar que SEUS PROBLEMAS ACABARAM (2006), o filme que ele fez com a turma do Casseta & Planeta, talvez não seja uma exceção em sua carreira. Ele está sempre com a mesma expressão dura, fechada e quase cômica - de tão bizarra! Já o habitualmente interessante Caco Ciocler, de OLGA (2004) e QUASE DOIS IRMÃOS (2004), fica o tempo inteiro na procura por um registro, por uma orientação que nunca chega. Mas nada se compara ao roteiro estapafúrdio e esburacado de Marcos Bernstein, que nunca chega aos pés de seus trabalhos mais conhecidos: CENTRAL DO BRASIL (1998) e O OUTRO LADO DA RUA (2004). O enredo, baseado no conto "O Espectro", de Horácio Quiroga, nunca mostra a que veio e o que pretende, perdido entre dilemas inexistentes e em soluções fáceis e clichês. Nem a mão geralmente firme de Mariza Leão, produtora de sucessos como ZUZU ANGEL (2006) e GUERRA DE CANUDOS (1997) parece ter sido capaz de algum efeito positivo.
Com um visual televisivo, nada ousado, que a todo instante revela uma ausência total de criatividade ou planejamento, só nos resta torcer que INESQUECÍVEL cumpra o que o título promete. Dessa forma, talvez sirva de alerta para que outros cineastas nacionais evitem alguns dos desastres aqui muito bem exemplificados.
Inesquecível, Brasil, 2007
(nota 3)
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