segunda-feira, novembro 05, 2007

QUERÔ

Baseado no conto "Querô - Uma Reportagem Maldita", de Plínio Marcos, QUERÔ marca a estréia na direção de um longa-metragem de ficção do até então documentarista Carlos Cortez. Amigo do dramaturgo criador de enredos clássicos da periferia paulista como "Navalha na Carne" e "Dois Perdidos Numa Noite Suja", Cortez afirma ter sido abençoado pelo próprio Marcos, que teria confiado nele a adaptação para o cinema desta história que se aproxima de outra obra referencial dentro da cinematografia brasileira: PIXOTE, A LEI DO MAIS FRACO, de Hector Babenco. A diferença está no tom assumido pelo discurso, tanto dentro da trama quanto, principalmente, fora da tela, agora mais esperançoso, mesmo que continue trágico.

'Querô' é o apelido recebido pelo menino cuja mãe prostituta se suicida banhada em querosene. Criado muito a contragosto pela dona do prostíbulo, assim que se sente 'grande o suficiente' - mas ainda uma criança! - decide fugir para tentar a vida nas ruas, sozinho. Tal decisão acaba levando-o para a Febem, onde uma experiência traumática - é currado por quase uma dezena de adolescentes - faz com que a revolta dentro dele cresça de modo incontrolável. A fuga mais uma fez se faz urgente, assim como a volta às más companhias, os amores perdidos e a carência latente.

Filmado na região de Santos, SP, QUERÔ conta com mais de 40 garotos da região nos papéis principais. Os únicos atores profissionais aparecem em pequenas participações, como Maria Luiza Mendonça (sempre entregue e visceral), como a mãe que o abandona, Ângela Leal, a dona do bordel, Aílton Graça (numa boa composição) e Milhem Cortaz (TROPA DE ELITE), como o coordenador da Febem. A história em si está nas costas dos meninos, que desempenham com louvor a função que lhes compete. Mas o maior mérito mesmo parece ter sido a escolha do protagonista, Maxwell Nascimento. Em todos os festivais que o filme participou ele acabou ganhando o prêmio de Melhor Ator! Foi assim em Brasília (ganhou ainda Melhor Roteiro, Som e Direção de Arte), no Ceará (escolhido também Melhor Filme e Edição), em Cuiabá (o grande vencedor, premiado ainda como Melhor Filme, Direção, Roteiro, Produção e Diretor de Arte) e no Paraná. Maxwell é um talento em estado bruto, que mostra na tela uma visão de si mesmo que muito provavelmente nem ele mesmo conhecesse. Palmas para o diretor e para o preparador do elenco, que o descobriram e o treinaram, e principalmente para este novo artista que se confirma com esta atuação como uma verdadeira força interpretativa.

QUERÔ é triste, revoltante, impressionante, angustiante. É verdadeiro e também um grito de alerta. Chama atenção para um problema e uma realidade de décadas atrás que hoje, mesmo tanto tempo depois, se mostra cada vez mais caótica. Fala sobre uma questão social, mas acima de tudo sobre a própria condição humana, a necessidade de sermos alguém no mundo e de significarmos algo para um outro. E, mais do que qualquer outra coisa, sobre não estarmos sozinhos. É um grito pela vida, antes que o fim implacável se faça mais uma vez presente.

Querô, Brasil, 2006
(nota 8)

domingo, novembro 04, 2007

TROPA DE ELITE

O filme nacional mais falado, polêmico e visto do ano, antes mesmo de chegar aos cinemas! Segundo os produtores, estima-se que cerca de 3 milhões de brasileiros viram TROPA DE ELITE em um dvd pirata, antes da estréia. Como ele já soma quase 2 milhões de espectadores pagantes em um mês em cartaz, isso dá um público total de 5 milhões, quase o mesmo de 2 FILHOS DE FRANCISCO (longa brasileiro de maior audiência nos últimos 15 anos) e superior a outros campeões, como CARANDIRU (4,5 milhões) e CIDADE DE DEUS (3,3 milhões), por exemplo. E agora, quando a poeira está finalmente baixando, a pergunta que cabe é: justifica-se todo este auê? E a resposta é: em parte.

José Padilha, após o aclamado documentário ÔNIBUS 174, percebeu que ainda havia muito a ser dito sobre a situação da violência no Brasil. Só que ele procurou um outro ponto de vista, que não o do bandido, como é mais comum. E o caminho óbvio, portanto, era a próprio polícia. E ele encontrou no livro "Elite da Tropa", de Luiz Eduardo Soares, André Batista e Rodrigo Pimentel, a fonte para a origem do seu trabalho seguinte. TROPA DE ELITE não é uma adaptação, mas faz da obra literária inspiração para o discurso que queria promover. E este é, em poucas palavras: apesar de toda a corrupção, ainda há policial interessado em acabar com o crime, mesmo que os métodos empregados não sejam os mais justos.

O filme TROPA DE ELITE tem como protagonista o Capitão Nascimento (Wagner Moura, impressionante), membro do BOPE (Batalhão de Operações Policiais Especiais da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro), um grupo extremamente seleto e de atuação bastante forte empregado em situações de alta gravidade. Nascimento quer descansar, e para isso precisa escolher um substituto. E os dois mais prováveis para ocupar o lugar dele recém ingressaram na força, Neto (Caio Junqueira) e Matias (André Ramiro). Enquanto isso, estes vão descobrindo como são as coisas dentro de um órgão policial corrompido, ao mesmo tempo em que o BOPE estuda como garantir a segurança no morro durante a visita do Papa, tudo isso no final dos anos 90.

Apesar dos inegáveis méritos, TROPA DE ELITE não é desprovido de defeitos. E estes estão principalmente na visão simplista que promove de alguns vértices da trama, como os universitários (todos "mauricinhos" e "patricinhas" alienados com visões estereotipadas da verdade social do dia-a-dia) e os comandantes policiais (todos corruptos e poderosos, como grandes chefões da máfia que fumam charutos e comem camarões enquanto os subalternos cumprem suas ordens). Essa artificialidade prejudica um pouco uma melhor compreensão do que está sendo mostrado em cena: uma sociedade doente, que para combater um mal precisa fazer uso dele mesmo em doses ainda maiores.

Mas isso acaba sendo detalhe diante do que o filme oferece: atuações entregues e viscerais, uma direção no total domínio de suas ambições, uma edição precisa e vertiginosa, tudo funcionando de acordo com um roteiro amarrado e objetivo. TROPA DE ELITE talvez acabe entrando para a História do cinema nacional por outros motivos (a pirataria, a violência), mas merece um espaço também destinados às grandes produções nacionais, qualitativamente falando. Não entre os primeiros, mas certamente numa posição muito bem colocada.

Tropa de Elite, Brasil, 2007
(nota 8)

domingo, setembro 30, 2007

THE BUBBLE

Tocante e cruelmente verdadeiro. Assim pode ser definido THE BUBBLE, longa dirigido pelo israelense Eytan Fox, o mesmo de YOSSI & JAGGER (que, no Brasil, recebeu o absurdo título DELICADA RELAÇÃO). O filme é um "Romeu e Julieta" gay entre um morador de Tel Aviv e um palestino que está ilegalmente na cidade israelita. Os dois se apaixonam quase que instantaneamente, mas a relação entre eles tem tudo para não dar certo: a distância geográfica, os conflitos políticos e religiosos, a pressão familiar, as rígidas regras da sociedade. O modo como cada um irá tentar e conseguir - ou não - superar estas dificuldades é que faz desta jornada cinematográfica uma experiência tão gratificante.

Tel Aviv é conhecida como "A Bolha" justamente por sua habilidade de reproduzir entre seus habitantes uma vida minimamente normal, mesmo estando situada bem no centro de um verdadeiro caos político-religioso-social. E bem no meio deste "universo paralelo" moram juntos, no mesmo apartamento, Noam (Ohad Knoller, de DELICADA RELAÇÃO), um vendedor de discos, Yelli (Alon Friedman), que ganha a vida como gerente de um café, e Lulu (Daniela Virtzer), vendedora de cosméticos. A história começa no último dia de serviço militar de Noam, quando ele encontra, pela primeira vez, Ashraf (Yousef "Joe" Sweid), um rapaz que tentava cruzar a fronteira. Já em casa, feliz por estar de volta ao lado dos amigos, é surpreendido quando bate a sua porta justamente Ashraf, que está à procura de um lugar para ficar. Os dois acabam conversando, se entendendo, e o que começou como um flerte se transforma num abrigo político, para só depois virar romance.

O mais interessante em THE BUBBLE é como, apesar da aparente previsibilidade da trama, somos impactados com cada nova situação do enredo. E também com a capacidade do diretor em combinar, de forma tão delicada, extremos até então inconcebíveis: guerra e amor gay, protesto e Bebel Gilberto (a cantora brasileira é constante na trilha sonora), respeito às tradições e raves com música eletrônica, a vida num grande e moderno centro urbano com costumes históricos. E o maior mérito aqui são os próprios personagens, todos dotados de vida, sentimentalmente profundos, verossímeis em suas intenções e iniciativas. Os diálogos soam naturais e envolventes, conduzindo o espectador ao lado dos acontecimentos, que deste modo adquirem nova importância diante nossos olhos.

THE BUBBLE é um filme que, mais do que assistido e reverenciado, merece ser sentido, da forma mais íntima que a expressão pode ter. E se o final incomoda, é justamente por ser absurdamente real. Não é um romance hollywoodiano de conto de fadas e cor de rosa - é, sim, o amor duro e contemporâneo, que surge mesmo nas condições mais improváveis, e que apesar de tudo luta para encontrar seus meios de expressão. Mesmo que estes não sejam os mais razoáveis, são, porém, os únicos naquele horizonte. E se merecem ser alterados, cabe a cada um a responsabilidade pelo mundo em que vivemos e pelo estado em que ele se encontra. Afinal, intolerância não é explicitada só em grandes atos ou decisões, mas principalmente dentro de nossas casas, no calor da cama e quando estamos mais entregues do que nunca. Justamente quando somos mais verdadeiros.

The Bubble, Israel, 2006
(nota 8,5)

domingo, setembro 23, 2007

HAIRSPRAY

O que há de errado em HAIRSPRAY - EM BUSCA DA FAMA? Absolutamente nada! O filme é absurdamente perfeito! A direção generosa, as atuações dedicadas do elenco, a trilha sonora criativa e envolvente, a direção de arte colorida e esfuziante... tudo funciona à perfeição! E sempre é um prazer inegável quando um projeto cercado de tantas expectativas termina por cumpri-las à contento, satisfazendo desde os fãs mais ardorosos até os simples curiosos.

Para se entender um pouco desta história é preciso estar por dentro de suas origens. John Samuel Waters Jr., quando adolescente, tinha como uma de suas maiores diversões assistir a um programa musical vespertino que era uma verdadeira febre entre os jovens da Baltimore dos anos 60. E ele estava sempre acompanhado do seu melhor amigo, Harris Glen Milstead. Décadas se passaram e, lá pela metade dos anos 80, o garoto já havia crescido e era conhecido somente como John Waters, cineasta. E foi nesta época que ele resolveu fazer um filme quase autobiográfico, chamando para ser um dos protagonistas aquele mesmo amigo, que agora era um travesti que atendia pelo nome de Divine! O nome do longa era HAIRSPRAY - E ÉRAMOS TODOS JOVENS, usando os cabelos estáticos para falar sobre a necessidade de se adaptar aos novos tempos, do preconceito contra os "diferentes" e da mudança de pensamento que os jovens estavam causando na sociedade.

Sucesso no circuito alternativo, o HAIRSPRAY que chegou às telas em 1988 acabou inspirando uma versão musical, levada à Broadway em 2002 com um impressionante retorno de público e de crítica - foram 13 Tonys (o Oscar do teatro norte-americano) conquistados! E, numa trajetória semelhante a que aconteceu com OS PRODUTORES (1968 / 2001 / 2005), HAIRSPRAY volta às telas, porém totalmente remodelado e na mesma versão dos palcos! O bom resultado se repetiu mais uma vez: mais de US$ 114 milhões arrecadados nas bilheterias só nos EUA, além de 93% de aprovação no Rotten Tomatoes (em 184 críticas, apenas 13 falaram mal do filme)! Já premiado como Melhor Elenco no Hollywood Film Festival, com certeza deve causar impacto nas escolhas do final do ano, especialmente no Oscar e no Globo de Ouro!

E qual a história de HAIRSPRAY? Bom, a trama começa com duas colegas de escola saindo correndo da aula para não perder o início do The Corny Collins Show - programa de tv que mostra as últimas músicas e danças que fazem a cabeça da garotada, além de ser patrocinado por um spray de cabelos que dita a moda entre a juventude! Neste dia elas descobrem que vai abrir uma vaga no show, e a mais gordinha das duas resolve fazer um teste. No dia da prova ela não só é recusada pela produtora megera - e mãe de uma das dançarinas - como se envolve numa questão racista. É que uma vez por mês o programa apresenta o "Negro Day", um dia que que tanto os dançarinos quanto o próprio apresentador são substituído por negros, que mostram o "outro lado da música das ruas". A menina acredita que "todos os dias deveriam ser como o 'Negro Day'", ou seja, que não deveria haver esta separação racial, e que os números performáticos merecem ser integrados. Ao mesmo tempo em que isso assusta os produtores do programa, agrada o público, que começa a votar nela para ser a próxima "Miss Teen Hairspray"!

Adam Shankman, diretor de comédias constrangedoras como DOZE É DEMAIS 2 e OPERAÇÃO BABÁ (ambas de 2005), disse que HAIRSPRAY é o seu "primeiro filme de verdade"! Sim, porque ele foi um premiado coreógrafo da Broadway, levado meio que ao acaso para o cinema. E agora finalmente pode mostrar tudo o que sabe, revelando um potencial inusitado! Ele não só conduz a história com respeito, cuidado e sabedoria, como prepara cada momento com precisão, desde a entrada de personagens chaves (Velma von Tussle, Edna Turnblad, Motormouth Maybelle) até o momento clímax de cada um, todos donos de no mínimo um grande número musical. As letras de Marc Shaiman e Scott Wittman não só contribuem decisivamente no desenvolvimento do enredo, como também são dotados de carisma, inteligência e uma fina ironia. E, claro, são totalmente harmoniosas, daquelas que grudam e nos fazem sair cantarolando após o término da sessão!

Já o elenco é, por si só, um mérito à parte! A começar pela protagonista Nikki Blonski, uma desconhecida que até pouco tempo atendia numa sorveteria em Nova York! A menina é surpreendente, desempenhando a maioria das canções com uma desenvoltura de profissional, simpática e com ótima voz! Já John Travolta, como a mamãe Edna, é outro espanto! Mesmo sob uma roupa de treze quilos ele consegue dotar sua personagem de uma leveza e delicadeza singular. Michelle Pfeiffer marca sua volta às telas - após 5 anos afastada - em grande estilo, compondo uma vilã memorável. Queen Latifah faz muito mais aqui do que em CHICAGO (2002), outro musical que lhe rendeu uma indicação ao Oscar! Zac Efron mostra que o fenômeno alcançado em HIGH SCHOOL MUSICAL talvez não seja passageiro - ele sabe dançar, cantar e encantar! James Marsden (X-MEN) comprova uma experiência de anos nos palcos da Broadway, enquanto que Christopher Walken mostra mais uma vez porque é um dos atores mais requisitados de Hollywood! Se ele é bom até quando está num filme ruim, imagina neste, que é ótimo?

HAIRSPRAY - EM BUSCA DA FAMA é envolvente, empolgante, colorido, agitado e divertido. Mas, ao mesmo tempo, é sério, crítico, politicamente engajado e consciente de suas responsabilidades e possibilidades. Um feito raro: uma obra que faz pensar enquanto entretém com muita garra. Um filme para ser visto e revisto, analisado com cuidado e usado como referência futura. Quem disse que algo "leve" deve ser leviano? O que temos aqui é justamente o contrário. Afinal, como diz o próprio slogan da produção, "se você quer ser grande é preciso pensar grande"! E aqui todos pensaram "grande" na medida exata!

Hairspray, EUA, 2007
(nota 10)


sábado, setembro 22, 2007

SANTIAGO

Um filme feito a partir da idéia de se fazer um filme. Assim é SANTIAGO, documentário de João Moreira Salles, o mesmo diretor de NOTÍCIAS DE UMA GUERRA PARTICULAR, NELSON FREIRE e ENTREATOS. Agora, ao invés de tratar do caos social do país, de um dos maiores exponentes da cultura nacional ou de realizar uma crônica política, ele faz uso de uma iniciativa inacabado para tentar iluminar uma discussão filosófica a respeito do ofício que desempenha, de sua arte e da própria existência. E o resultado é arrebatador.

O projeto "Santiago - O Filme" começou em 1992, quando o diretor tinha apenas 30 anos. A idéia era retratar a vida e as idéias do mordomo da família Salles, um tipo de homem que não mais existe nos dias de hoje - dedicado ao trabalho, à honra, aos detalhes, à etica e às belas artes. Joãozinho - como o cineasta era chamado por Santiago - entrevistou seu personagem durante cinco dias e depois, já diante deste material, chegou à conclusão de que não tinha ali um filme como imaginara. Tudo que fora captado acabou deixado de lado, para ser redescoberto 13 anos depois, em 2005. João Moreira, mais experiente e com uma carreira consolidada, conseguiu exercer um novo olhar sobre aqueles depoimentos, editando uma obra que transcende a proposta inicial. SANTIAGO não fala de um homem em extinção, e sim de uma reflexão sobre nostalgia e a arte de contar histórias.

Com este novo foco, o diretor consegue perceber fatos imprescindíveis que até então estavam escondidos. Como a natureza daquele que dá título ao filme: quem havia conversado com ele anos atrás não fora o "homem" Santiago, e sim o Santiago "mordomo". Era uma relação patrão-empregado que estava em cena, o que comprometera o resultado daquela época. Hoje, mais crítico, ele consegue driblar estas limitações, fazendo uso delas para uma análise das próprias estruturas de poder. Assim, aproveita-se do fazer cinematográfico para discutir servilismo, cultura, sociedade e até mesmo política, mas sempre através de um viés contemplativo, mais no campo das idéias do que da prática. E esta se faz presente no filme apresentado, que por si só fala alto o suficiente.

Com uma bela fotografia em preto e branco de Walter Carvalho (de CENTRAL DO BRASIL e co-diretor de CAZUZA - O TEMPO NÃO PÁRA) e montagem discreta de Eduardo Escorel (de CABRA MARCADO PARA MORRER e DOIS PERDIDOS NUMA NOITE SUJA), SANTIAGO é o ponto mais alto da carreira de João Moreira Salles enquanto realizador cinematográfico. Moço bem educado de família rica, ele consegue se distanciar de suas origens para se transmutar num espectador da decadência social e artística, oferecendo um infinitude de opções para serem discutidas durante este processo de descoberta. Há aqui uma lição de vida a ser aprendida e estudada, mas mais do que isso está em questão um assunto de extrema relevância: a nossa própria revelação enquanto espectadores do mundo, e como tudo que está a nossa volta pode adquirir múltiplos significados, bastando para isso a definição da sintonia que estes fatos, pessoas e objetos estabelecem com nosso acervo pessoal e histórico. SANTIAGO é vida, e como tal está em constante mudança. E por isso mesmo que seus méritos são tão evidentes.

Santiago, Brasil, 2007
(nota 9)

sexta-feira, setembro 21, 2007

EU OS DECLARO MARIDO E... LARRY!

EU OS DECLARO MARIDO E... LARRY! tinha tudo para ser o filme mais homofóbico e preconceituoso do ano. Afinal, a trama não é das mais "iluminadas". Senão, veja bem: dois bombeiros - uma das profissões que mais "povoam" o imaginário gay - decidem se casar, apesar de serem heterossexuais, apenas para que um deles consiga benefícios do governo. Como são vítimas de suspeita, precisam fingir que são homossexuais apaixonados, abusando de todos os clichês e estereótipos do gênero. Sim, está tudo lá, por mais previsível e bizarro que possa parecer. Mas, mesmo assim, o resultado não é dos piores, e no final o que acaba prevalecendo é a mensagem de tolerância e respeito, uma discussão sempre saudável de ser levantada.

O maior medo nem era o tema em si, mas nas mãos de quem ele estava depositado. Afinal Adam Sandler - assim como Jim Carrey ou Will Farrell, por exemplo - pode até ser um bom ator em projetos "sérios" (como no surpreendente EMBRIAGADO DE AMOR), mas o humor que emprega nas comédias é, via de regra, escrachado, pastelão e ofensivo. Este mesmo tom também se faz presente aqui, mas de modo muito mais leve, e ainda assim dentro de um propósito, visando a transformação dos protagonistas.

Sandler faz o machão conquistador que teve sua vida salva em trabalho pelo colega e por isso acaba aceitando o pedido maluco. Kevin James (HITCH - CONSELHEIRO AMOROSO) é viúvo e com duas crianças para criar. Como não está conseguindo incluir os filhos no plano de saúde, descobre que a maneira mais fácil para que isso aconteça é se casando novamente - e daí a idéia de chamar o amigo. Já a estonteante Jessica Biel (O ILUSIONISTA) é a advogada chamada para ajudá-los na defesa, ao mesmo tempo que, mesmo sem saber, estará atrapalhando os planos dos dois, já que vira objeto de desejo do mais assanhado. Aos poucos o falso casal gay vai se envolvendo no mundo gls, e neste processo se vê - e juntamente o espectador - superando as falsas idéias pré-concebidas, descobrindo uma nova realidade e adquirindo uma sensibilidade até então insuspeita.

Se Dennis Dugan provavelmente nunca será um diretor de renome (é responsável por filmes como O PAIZÃO e OS ESQUENTA-BANCOS) e os dois protagonistas não inspiram muito respeito, há três outros nomes que nos fazem repensar qualquer opinião apressada sobre EU OS DECLARO MARIDO E... LARRY!. Primeiro é o do roteirista Alexander Payne, vencedor do Oscar por SIDEWAYS - ENTRE UMAS E OUTRAS e diretor de obras elogiadas como AS CONFISSÕES DE SCHMIDT e ELEIÇÃO. Ele é o principal crédito por trás do enredo do filme, tendo escrito a maioria dos diálogos e o argumento inicial. Isso indica a natureza da trama, que mesmo coberta por piadas rápidas e visuais, é dotada de uma profundidade razoável. E por fim tem-se a dupla Richard Chamberlain (ator de PÁSSAROS FERIDOS) e Lance Bass (cantor do grupo N'Sync), duas celebridades que há pouco se assumiram como homossexuais e atualmente são ativistas gls. Suas participações são pequenas, mas elas certamente não teriam se envolvido neste projeto caso considerassem ofensivo e contrário a uma causa que tanto defendem.

E, acima de tudo, é importante ter algo em mente: EU OS DECLARO MARIDO E... LARRY! é uma comédia feita para grandes públicos. Assim sendo, é até louvável perceber como consegue escapar da superficialidade que impera neste gênero, mesmo que atingindo suas intenções originais. Tanto que somou mais de US$ 117 milhões somente nas bilheterias norte-americanas. E se o sucesso popular estiver acompanhado de uma lampejo de mensagem contra a discriminação e a favor das diferenças, já é ótimo. Mesmo que seja com a cara do Adam Sandler à frente do elenco!

I Now Pronounce You Chuck and Larry, EUA, 2007
(nota 6)


quinta-feira, setembro 20, 2007

O ULTIMATO BOURNE

Matt Damon é um dos mais improváveis astros do cinema hollywoodiano. O cara penou anos como coadjuvante em comédias bobinhas até emagrecer muito quilos e ser notado numa pequena participação em CORAGEM SOB FOGO (1996). Depois vieram trabalhos com diretores conceituados, como Francis Ford Coppola (O HOMEM QUE FAZIA CHOVER, 1997) e Steven Spielberg (O RESGATE DO SOLDADO RYAN, 1998), até a consagração em GÊNIO INDOMÁVEL (1997), de Gus Van Sant, pelo qual concorreu ao Oscar de Melhor Ator e levou a estatueta dourada na categoria de Melhor Roteiro Original. Desde então, nesta última década ele vem alternando obras engajadas (SYRIANA, O BOM PASTOR), desempenhos elogiados (OS INFILTRADOS, O TALENTOSO RIPLEY), campeões de bilheteria (a trilogia ONZE HOMENS E UM SEGREDO) e alguns percalços (LIGADO EM VOCÊ, OS IRMÃOS GRIMM). Mas o melhor dele - atuação, carisma, empenho - pode ser encontrado apenas em três filmes: a trilogia BOURNE, composta por este ULTIMATO e pelos anteriores IDENTIDADE (2002) e SUPREMACIA (2004).

Se no primeiro filme fomos apresentados a um espião secreto desmemoriado que buscava salvar sua pele de assassinos profissionais e no segundo presenciamos o início da luta por vingança, agora ele está mais perto do que nunca da sua própria história, relembrando fatos cruciais e prestes a revelar os culpados pelo destino trilhado até este momento. O melhor é que esta é uma série absurdamente concisa. Cada episódio foi feito, pensado e elaborado separadamente um do outro, e em alguns casos não tendo nada além do título como semelhança aos livros originais de Robert Ludlum. E, mesmo assim, tudo faz muito sentido! É um material novo, sintonizado com a modernidade, ágil e muito bem realizado. Doug Liman (SR. E SRA. SMITH) dirigiu o primeiro filme e produziu os dois seguintes, que tiveram como diretor Paul Greengrass, indicado ao Oscar neste ano por VÔO UNITED 93. Os dois delinearam um caminho muito seguro, e tudo segue exatamente de acordo com o proposto, mesmo que nunca previsível ou corriqueiro: inovação e ousadia são palavras-chave na produção, e quem mais ganha é o espectador.

Tramas como agentes secretos são quase um subgênero dentro do cinema norte-americano. Mas poucos são tão sérios e, ainda assim, empolgantes quanto os filmes BOURNE. Tudo que Jason Bourne (Damon, encarnando com precisão o personagem, por mais surpreendente que isto possa parecer) faz, suas atitudes e decisões, são absolutamente naturais e convincentes, como se estivéssemos refletindo cada novo problema ao lado dele. Os traumas que ele enfrenta, os perigos superados e as conquistas almejadas são vivenciadas pela platéia em igual intensidade, tornando cada filme uma jornada única.

O ULTIMATO BOURNE é, sem sombra de dúvida, o melhor blockbuster da temporada de férias nos Estados Unidos. HOMEM-ARANHA 3, PIRATAS DO CARIBE 3, SHREK 3, TREZE HOMENS E UM NOVO SEGREDO, QUARTETO FANTÁSTICO 2, HARRY POTTER 5, DURO DE MATAR 4.0, TRANSFORMERS, OS SIMPSONS, RATATOUILLE... alguns foram mais bem sucedidos do que outros, mas em geral todos acabaram decepcionando em algum ponto. Com exceção deste aqui, perfeito em praticamente todos os quesitos. Com um elenco coadjuvante impressionante (Joan Allen, David Strathairn, Albert Finney, Julia Stiles, Daniel Brühl, Scott Glenn, Paddy Considine), um diretor plenamente consciente de sua história e das possibilidades à disposição e um protagonista em sua melhor forma, este BOURNE 3 consegue combinar entretenimento, lógica, inteligência e diversão como poucos. Um mérito cada vez mais raro, e que merece ser reconhecido.

The Bourne Ultimatum, EUA, 2007
(nota 9)

terça-feira, setembro 18, 2007

CIDADE DOS HOMENS

Uma das maiores - e mais bem-sucedidas - sagas do cinema brasileiro chega ao fim com CIDADE DOS HOMENS. Porém, ao contrário do que muitos possam pensar, este filme não é continuação de CIDADE DE DEUS, e sim o ponto final de um projeto que começou antes ainda, em 2002, com o curta PALACE II. Este projeto apresentou pela primeira vez os personagens Acerola (Douglas Silva) e Laranjinha (Darlan Cunha), dois garotos favelados. As histórias por eles protagonizadas continuaram na série de tv "Cidade dos Homens", que teve quatro temporadas de excelente retorno crítico e de audiência na Rede Globo, e se encerra agora na tela grande. E ao contrário do que se poderia supor, o que temos em cena não é um episódio alongado, mas sim uma trama independente e relevante, que merecia ser contada numa mídia mais específica, concluindo em alto estilo esta epopéia.

Se PALACE II (dirigido por Fernando Meirelles e Kátia Lund e roteirizado por Bráulio Mantovani e Paulo Lins, a mesma equipe por trás de CDD) serviu como um laboratório ao aclamado longa de Meirelles - que somou em sua excepcional carreira quatro indicações ao Oscar, mais de três milhões de espectadores no Brasil e cerca de US$ 27 milhões de dólares de arrecadação mundial nas bilheterias - foi somente com o este desdobramento - o próprio "Cidade dos Homens", seja no cinema, seja na televisão - que algumas questões mais íntimas e urgentes desse microcosmo puderam ser melhor trabalhadas. Proporcionando, deste modo, um olhar mais complacente e, ao mesmo tempo, crítico.

CIDADE DOS HOMENS, o filme, traz ao centro da discussão um dos temas mais caros e recorrentes dentre a população enfocada: a ausência paterna. Enquanto Acerola está aprendendo a ser pai logo aos 18 anos, Laranjinha recebe a maioridade com uma inquietação: quem é - ou foi - seu pai? Os dois, amigos desde a infância, tentaram juntos aprender como responder estas inquietações. O fato de termos acompanhado a evolução dos dois personagens é extremamente gratificante, pois se crescemos ao lado deles, melhor compreendemos as motivações que os guiam. E para isto não se faz necessário ter assistido a tudo já produzido com eles: o uso de flashbacks pelo enredo é muito bem articulado, colocado em momentos cruciais e sem exploração. O excelente arquivo natural é posto à serviço do roteiro, contribuindo positivamente para todos os envolvidos.

Fernando Meirelles, após o sucesso internacional de CDD, tem se envolvido cada vez mais em projetos hollywoodianos, como o elogiado O JARDINEIRO FIEL e o ainda inédito BLINDNESS. Assim, ele assume como produtor, abrindo espaço para o sócio dele na produtora O2, Paulo Morelli (VIVA VOZ), tomar conta da direção de CIDADE DOS HOMENS. A transferência de mão pouco se sente, e o resultado apresentado é muito satisfatório. O que carece em CDH é a ambição, ousadia, originalidade e, acima de tudo, ineditismo presente no filme anterior, que provocou outros olhares, opiniões e reflexões sobre o cinema feito no Brasil. Este novo filme não quer traçar um painel grandioso sobre um problema social - não, a vez agora é de narrar o que acontece a dois moradores daquele universo, propondo uma visão mais íntima e, ainda assim, universal.

CIDADE DOS HOMENS não é o melhor filme do ano. Não é inesquecível ou revolucionário. Mas é um alento dentro de uma temporada de poucas surpresas. E, acima de tudo, é um trabalho honesto e sincero, que cumpre com honra o que se propõe, se posicionando como mais uma peça dentro de um contexto maior e que está firmado no cenário cinematográfico nacional. Sua ascendência é intimidante, mas ninguém aqui ficou aquém do esperado, e o que temos é uma obra singular, competente e digna de méritos próprios.

Cidade dos Homens, Brasil, 2007
(nota 8)


OS SIMPSONS, O FILME

A idéia de um longa-metragem com Os Simpsons, adaptando para a tela grande os personagens que há quase duas décadas reinam absolutos na telinha como uma das mais inteligentes, populares e sarcásticas animações para adultos e crianças dos 8 aos 80 anos, era, no mínimo, uma aposta arriscada. Afinal, por quê levar para outra mídia algo que já tinha sucesso comprovado num campo específico? Mas, como no mundo do entretenimento global a palavra de ordem é a "interação", as múltiplas associações possíveis para aumentar o potencial de todo produto bem sucedido, essa transposição era quase inevitável. O bom, portanto, é notar que ela foi feita com o menor ruído possível, e o resultado é tão bom quanto um dos melhores episódios da série na televisão.

Aliás, OS SIMPSONS, O FILME nada mais é do que um destes episódios, digamos, "vitaminado" - o que, por sinal, só conta a favor! Assim, os melhores elementos do seriado são potencializados. A trama começa com uma aposta estúpida entre Homer (o pai) e Bart (o filho) que termina com o mais velho adotando um porco como animal de estimação. Apesar dos protestos de Lisa (a filha) e da promessa que fez à Marge (a esposa), ele acaba jogando as sujeiras do bicho no lago municipal, causando um desastre ecológico. Para conter o problema o presidente Arnold Schwarzenegger, por meio de um assessor muito mal intencionado, decide isolar a cidade de Springfield numa redoma de vidro. A família Simpson consegue fugir antes de ser linchada, foge para o Alasca e no final retorna, salvando todos de uma tragédia ainda maior!

Apesar de orçado em US$ 75 milhões, as previsões iniciais dos analistas especializados imaginavam uma arrecadação nos cinemas norte-americanos em torno de US$ 60 milhões (sem contar o mercado de dvd e os demais países). Pois bem, em cerca de dois meses em cartaz OS SIMPSONS, O FILME já arrecadou quase US$ 200 milhões só nos Estados Unidos e cerca de US$ 500 milhões em todo o mundo! Isso dá uma noção de que, mesmo após 18 anos no ar, tem muita gente disposta a pagar ingresso para assistir a algo que "passa todos os dias de graça na tv" (como ironicamente afirma uma das primeiras piadas do filme).

Isso sem falar do excelente retorno da crítica (88% de aprovação no Rotten Tomatoes), que aponta principalmente a fidelidade da adaptação ao espírito original da série. É mais do mesmo? É, sim. Mas qual o problema disso? Se a matéria prima é boa, o conselho é aproveitar ao máximo esta nova aventura, que dá mais espaço a alguns personagens secundários (Flanders, por exemplo), explora melhor as relações familiares entre os Simpsons (o que cada membro pensa sobre o outro nunca havia ficado tão claro) e ainda consegue oferecer novidades e ousadias, como a nudez de Bart e as participações de Tom Hanks e da banda Green Day. OS SIMPSONS, O FILME entrega ao público justamente o que promete - e já tá mais do que bom!

The Simpsons Movie, EUA, 2007
(nota 8,5)


segunda-feira, setembro 03, 2007

INESQUECÍVEL

Chega a ser impressionante como tanta coisa pode dar errada em INESQUECÍVEL! Isso porque estamos falando de uma trama aparentemente comum aos cinéfilos e cineastas nacionais - o triângulo amoroso, vide o clássico DONA FLOR E SEUS DOIS MARIDOS ou o recente PRIMO BASÍLIO - e de um elenco minimamente competente, além de outros requisitos técnicos de destaque, como o roteirista e a produtora. Mas, sob o comando de Paulo Sérgio de Almeida, tudo combinado se põe diante o público como um dos maiores desastres da cinematografia brasileira recente, um produto previsível e constrangedor que afunda vergonhosamente em suas próprias ambições.

INESQUECÍVEL é dividido em três atos, cada um com aproximadamente 30 minutos de duração. O primeiro - o mais bem sucedido de todos - se passa em Buenos Aires e mostra o amor fulminante que surge entre o fotógrafo Guilherme (Caco Ciocler, perdido e sem direção) e a estilista e ex-modelo Laura (a esforçada estreante Guilhermina Guinle, incrivelmente a melhor do trio protagonista). Ela vai numa exposição dele, em seguida estão um na cama do outro e quando se percebe ela está num avião de volta para o Brasil e ele, desesperado, partindo em sua busca. Os dois voltam a se reecontrar no Rio de Janeiro, já na segunda etapa da história - quando as coincidências, e absurdos, começam a se proliferar: ela está de casamento marcado com o ator Diego (Murilo Benício, vergonhoso), que é o melhor amigo de Guilherme. Os três estão sempre juntos, e o ciúme do noivo passa a corromper as relações entre eles, até um final trágico. Mas o pior ainda está por vir, numa conclusão que pode ser, na melhor das hipóteses, classificada como risível: um dos vértices do triângulo, mesmo falecido, continua a atormentar a vida dos dois sobreviventes, levando-os praticamente à loucura.

Insano mesmo deve ser o espectador que tentar buscar alguma lógica neste embaralhado de referências ao cinema noir, ao suspense psicológico e ao romance como detonador de desgraças. Tudo é muito falso - os cenários, as atuações, os enquadramentos, os acontecimentos - e nada soa natural e convincente. Paulo Sérgio de Almeida, diretor de obras populares como SONHO DE VERÃO (1990), com as Paquitas, e POPSTAR (2000), XUXA E OS DUENDES (2001) e XUXA E OS DUENDES 2 (2002), todos estrelados pela 'rainha dos baixinhos', parece ter levado à sério demais o universo da apresentadora infantil, acreditando que tudo possa ser resolvido como num conto de fadas - ou, no caso, de terror inconsequente.

Benício, que já foi considerado um dos melhores atores nacionais de sua geração, com desempenhos elogiados em filmes como OS MATADORES (1997), AMORES POSSÍVEIS (2001) e O HOMEM DO ANO (2003), parece estar empenhado em confirmar que SEUS PROBLEMAS ACABARAM (2006), o filme que ele fez com a turma do Casseta & Planeta, talvez não seja uma exceção em sua carreira. Ele está sempre com a mesma expressão dura, fechada e quase cômica - de tão bizarra! Já o habitualmente interessante Caco Ciocler, de OLGA (2004) e QUASE DOIS IRMÃOS (2004), fica o tempo inteiro na procura por um registro, por uma orientação que nunca chega. Mas nada se compara ao roteiro estapafúrdio e esburacado de Marcos Bernstein, que nunca chega aos pés de seus trabalhos mais conhecidos: CENTRAL DO BRASIL (1998) e O OUTRO LADO DA RUA (2004). O enredo, baseado no conto "O Espectro", de Horácio Quiroga, nunca mostra a que veio e o que pretende, perdido entre dilemas inexistentes e em soluções fáceis e clichês. Nem a mão geralmente firme de Mariza Leão, produtora de sucessos como ZUZU ANGEL (2006) e GUERRA DE CANUDOS (1997) parece ter sido capaz de algum efeito positivo.

Com um visual televisivo, nada ousado, que a todo instante revela uma ausência total de criatividade ou planejamento, só nos resta torcer que INESQUECÍVEL cumpra o que o título promete. Dessa forma, talvez sirva de alerta para que outros cineastas nacionais evitem alguns dos desastres aqui muito bem exemplificados.

Inesquecível, Brasil, 2007
(nota 3)


segunda-feira, agosto 27, 2007

PRIMO BASÍLIO

É complicado saber por onde começar ao falar dos problemas de PRIMO BASÍLIO, oitavo filme dirigido por Daniel Filho e o quinto feito por ele desde a retomada de sua carreira cinematográfica, no início dos anos 2000. Depois de algumas experiências esparsas nos anos 60, 70 e 80 (até filme dos Trapalhões ele dirigiu) e muito trabalho em televisão, com a virada do século decidiu se dedicar exclusivamente à sétima arte. E desde então vem alternando sucessos de público (SE EU FOSSE VOCÊ, 2006), de crítica (A DONA DA HISTÓRIA, 2004) e até um fracasso (MUITO GELO E DOIS DEDOS D'ÁGUA, 2006). Mas, acima de tudo, eram comédias. E PRIMO BASÍLIO aposta noutro caminho, o drama, e o resultado é bastante problemático.

Poucos são os que desconhecem a trama de "O Primo Basílio". Baseado no romance do escritor português Eça de Queiroz, foi adaptado há 20 anos numa minissérie da Rede Globo, que tinha Tony Ramos, Giulia Gam, Marcos Paulo e Marília Pêra no elenco principal. Na direção, o mesmo Daniel Filho. Pois agora o que parece é que estas duas décadas fizeram mal para ele, que aparenta ter desaprendido como lidar com a dramaticidade da história. Reynaldo Gianecchini, Debora Falabella, Fábio Assunção e Glória Pires substituem os protagonistas, obviamente elas com um desempenho muito superior ao deles. Mas isso pouco importa no final das contas, já que a direção privilegia sempre o desenrolar atabalhoado do enredo, sem tempo para qualquer respiro, seja do personagem ou mesmo do ator por trás deste.

Sai a Lisboa do final do século XIX e no lugar está a São Paulo de 1958. Jorge (Gianecchini) é um engenheiro contratato para trabalhar na construção de Brasília, e por isso precisa viajar, deixando Luísa (Falabella), sua mulher, sozinha. Ela passa a receber a visita do primo Basílio (Assunção), que está de volta à cidade após uma temporada na Europa. Os dois logo se tornam amantes, o que vem a ser descoberto pela empregada Juliana (Pires). Esta, de posse de cartas reveladoras, passa a chantagear a patroa. E a relação que até então existia entre as duas se inverte, dando início ao calvário de uma e da descoberta do paraíso pela outra.

Se em A DONA DA HISTÓRIA ou em A PARTILHA (2001) Daniel Filho conseguiu conciliar um argumento de sucesso comprovado com um elenco que reunia talento e apelo popular, esta mesma fórmula revelou-se parcialmente desnecessária em SE EU FOSSE VOCÊ (que, apesar de abusar dos clichês, se tratava de um roteiro original). MUITO GELO foi um alerta, mostrando os perigos de ser tão autoral. A DONA teve 1,2 milhão de espectadores, PARTILHA mais de 2 milhões e SE EU FOSSE VOCÊ quase 3,5! MUITO GELO não chegou aos 500 mil espectadores, número que PRIMO BASÍLIO deve superar com tranquilidade. Mesmo assim não deve registrar nada muito superior. Gianecchini e Assunção são lindos, assim como Falabella, mas isso não basta, certo? Afinal, quem já não os viu seminus na telinha? E Glorinha, de quem se esperava uma grande atuação, passa o tempo todo limitada pela peruca, maquiagem pesada e figurino apertado.

Com enquadramento muito pouco criativo, edição convencional, cenário pobre e efeitos visuais constrangedores (o que são as cenas da cidade antiga?), PRIMO BASÍLIO abusa ainda do voyerismo (o sexo entre Assunção e Falabella é tão abusivo que perde o sentido inclusive dentro da proposta cinematográfica) e da falta de controle dos atores: Falabella, a melhor em cena, está sempre no limite, carecendo de uma orientação mais precisa. O que resta é uma obra sem fôlego, previsível desde a primeira cena e que tem uma conclusão absurda, inverossímil diante a nossa realidade. Um desastre anunciado, que somente se confirma com pior desdém a cada fotograma.

Primo Basílio, Brasil, 2007
(nota 3,5)

domingo, agosto 05, 2007

DURO DE MATAR 4.0

Bruce Willis é um cara legal. Não que alguém tenha alguma dúvida disso. Ele se tornou conhecido através de uma série de televisão ("A Gata e o Rato", que durou de 1985 a 1989) e estourou definitivamente nos cinemas em 1988, com o primeiro DURO DE MATAR. Desde então fez comédias (A MORTE LHE CAI BEM, 1992), romances (A HISTÓRIA DE NÓS DOIS, 1999), suspenses (A COR DA NOITE, 1994), ficções científicas (O QUINTO ELEMENTO, 1997), aventuras (O CHACAL, 1997), superproduções (ARMAGEDDON, 1998), filmes cultuados (PULP FICTION, 1994), campeões de bilheteria (O SEXTO SENTIDO, 1999) e fracassos (HUDSON HAWK, 1991). Já foi protagonista, marcou presença em elencos múltiplos (SIN CITY, 2005), fez pequenas participações em projetos de amigos (AS PANTERAS DETONANDO, 2003, e DOZE HOMENS E UM OUTRO SEGREDO, 2004) e até mostrou seu talento de dublador (OLHA QUEM ESTÁ FALANDO, 1989), além de ter aparecido em outras séries de tv, como "Friends", "That 70's Show" e "Ally McBeal". Na vida familiar, continua amigo da ex-esposa, Demi Moore, depois de uma separação super tranqüila, e sai para férias em família na companhia dela e do novo marido, o ator Ashton Kutcher. Então como não ficar feliz em conferir esse grande cara de volta ao papel que maior sucesso lhe deu? E DURO DE MATAR 4.0 é exatamente isso: Bruce Willis fazendo o que sabe fazer melhor!

Se no primeiro filme o agente John McClane (Willis) precisou impedir o ataque a um edifício, no segundo (de 1990) salvou um aeroporto e no terceiro (de 1995) se virou ao avesso para evitar uma tragédia em toda uma cidade, agora o perigo segue esta linha de aumento progressivo e cresce vertiginosamente. O vilão desta vez é um terrorista virtual, que coloca o país inteiro como refém de um ataque combinado, imobilizando todos os recursos de energia, inteligência e até militar dos Estados Unidos em questão de horas. E como um herói conhecido por resolver as coisas "no braço" irá lidar contra um inimigo tão polivalente?

A solução se chama Matt, um hacker ameaçado de morte que acaba virando protegido de McClane. Ele, por um desencontro do destino, termina por ser o único capaz de enfrentar a ameaça cibernética e salvar a nação. Mas, para isso, precisará contar com a proteção do policial, que tem outro problema pela frente: salvar a própria filha, seqüestrada pelos bandidos. Interpretado por Justin Long, de A HORA DO RANGO e SEPARADOS PELO CASAMENTO, o rapaz tem tudo para, assim como Shia LeBeouf (TRANSFORMERS), se tornar num dos grandes astros de Hollywood nos próximos anos: tem aparência frágil, porém é engraçado, simpático e bom com as garotas. Ele, ao lado de tiradas impagáveis de Willis, responde pelo lado "leve" do filme, acrescentando bom humor e modernidade a uma trama que pouco tem de original, mas que conquista justamente pela nostalgia e exageros.

Se o trailer de DURO DE MATAR 4.0 lhe atraiu, o que posso dizer é que ali estão cenas apenas das primeira meia-hora de filme. Ou seja, tem muito mais pela frente. Assim, logo no início o protagonista consegue derrubar um helicóptero com um automóvel, desviar de dezenas e carros desgovernados no meio de um túnel escuro e salvar sua pele e a do garoto de vários assassinos que estão atirando à queima roupa. Agora, imagine o que ainda está por vir. Ele vai atravessar alguns estados, enfrentar o caos generalizado e lutar com capangas dos mais diversos tipos, gêneros e sexos até ficar frente a frente com o responsável por todo o perigo. E não será uma jornada fácil, pode apostar.

São tantos os absurdos e clichês no decorrer da trama que chega um ponto que esquecemos da verossimilhança e queremos apenas alimentar os sentidos. Não é um longa sério, que estimula o pensamento e a reflexão. É mais um pipoca arrasa-quarteirão, feito para grandes massas e de consumo imediato. Mas serve também para mostrar o quão marcante a década de 80 foi para o universo pop. Depois deste retorno e de Sylvester Stallone em ROCKY BALBOA no início do ano, em 2008 nos reencontraremos ainda com o mesmo Stallone, porém em JOHN RAMBO, e com um sessentão Harrison Ford em INDIANA JONES 4. E se o público continua aceitando com alegria este velhos ícones, qual o problema nisso? Bruce Willis fez bem sua parte, mostrando que tem muito fôlego para novos desafios. E daqui pra frente é só aguardar para ver!

Live Free or Die Hard, EUA, 2007
(nota 7)

domingo, julho 29, 2007

A VIDA SECRETA DAS PALAVRAS

O que é preciso para descobrir o verdadeiro "eu" de uma pessoa? Até que ponto nos fechamos tão dentro de nós mesmos que acabamos nos afastando não somente dos outros, mas de tudo mais, inclusive das próprias emoções? Incomunicabilidade, repressão, traumas do passado e a descoberta do amor no mais improvável dos lugares são alguns dos temas tratados no sensível e comovente A VIDA SECRETA DAS PALAVRAS, segundo longa-metragem internacional dirigido pela impressionante cineasta espanhola Isabel Coixet (o anterior foi o igualmente emocionante MINHA VIDA SEM MIM).

Uma mulher solitária vive num universo tão particular que esquece até mesmo de reinvindicar suas férias. Obrigada pelo chefe a um mês de descanso, acaba indo parar numa vila afastada e pouco povoada. Lá descobre uma oportunidade de reavivar uma antiga ocupação: enfermagem. Estão precisando de alguém para cuidar de um operário numa plataforma petrolífera no meio do oceano. Ele está cego, vítima de severas queimaduras sofridas durante um acidente. Ao chegar neste lugar ainda mais inóspito, nossa protagonista irá de se deparar com pessoas tão isoladas da vida quando ela mesma. As relações entre os presentes é tão escassa quanto se faz necessária. São como zumbis, abandonados numa terra de ninguém, individualmente ocupados com suas responsabilidades e esquecidos pelo resto da humanidade. Mas o contato está prestes a ganhar um novo valor, alterando toda a ordem até então estabelecida.

Se a princípio a convivência entre paciente e atendente revela-se truncada, os códigos de comunicação aos poucos vão se estabelecendo. Ele não consegue vê-la, ela parece estar pouco interessada, mas um jogo vai surgindo e envolvendo-os. Não tardará para a relação evoluir para uma estranha história de amor que, apesar do diferencial que possui, não deixa de possuir elementos em comum a qualquer outro romance: entrega, cobrança, confiança, insegurança, dor e sinceridade. E neste ponto o filme surpreende o espectador pelos novos rumos tomados, em que gestos até então exóticos adquirem novos significados e todo o entendimento do que estava acontecendo fica não só mais claro, mas também dotado de uma intensidade até então insuspeita.

Muito do bom resultado atingido por A VIDA SECRETA DAS PALAVRAS está na sua dupla central de atores, a fenomenal Sarah Polley (que já havia trabalhado com a diretora em MINHA VIDA...) e o oscarizado Tim Robbins (SOBRE MENINOS E LOBOS). Os dois fogem do registro óbvio e estereotipado, atuando com o olhar, com pequenos cuidados e tendo completo domínio dos personagens e das emoções que carregam consigo. Você esquece que por trás estão pessoas com outras vidas e histórias: fica-se diante apenas dos protagonistas da trama, como se estivéssemos literalmente dentro do enredo, naquela realidade. Outros bons destaques são alguns coadjuvantes, como o sempre ótimo Javier Cámara (FALE COM ELA, MÁ EDUCAÇÃO, DA CAMA PARA A FAMA), ciente da urgência de um alívio cômico, porém longe do clichê mais fácil, e da igualmente vencedora do Oscar Julie Christie (DARLING, A QUE AMOU DEMAIS, de 1965, vista recentemente em sucessos como EM BUSCA DA TERRA DO NUNCA, TRÓIA e HARRY POTTER E O PRISIONEIRO DE AZKABAN), numa participação carinhosa e fundamental.

Isabel Coixet é uma súdita exemplar do mestre Pedro Almodóvar, produtor executivo de A VIDA SECRETA DAS PALAVRAS, longa que foi o grande vencedor dos Prêmios Goya no ano passado. Sem incorrer no exagero, ela consegue falar muito dizendo pouco. As expressões, as atitudes, cada ação em todo momento são de relevâncias singulares, fazendo a maior diferença possível. Pelo que vemos nestes seus dois últimos trabalhos, estes são filmes para serem vistos com atenção e carinho, pois transmitem mais do que um única experiência possa se encarregar. É preciso reflexão, análise e uma compreensão maior do que somos e buscamos. Seja através das palavras, das ações ou mesmo do que não é feito. Pois aqui até o que não está tem importância. E esta lição é o maior mérito da obra como um todo.

La Vida Secreta de Las Palabras, Espanha, 2005
(nota 8,5)


domingo, julho 22, 2007

SANEAMENTO BÁSICO, O FILME

Jorge Furtado é um cineasta bastante singular dentro do cenário cinematográfico brasileiro. Seus filmes conseguem combinar argumentos pertinentes, crítica social, bom humor e entretenimento, em doses bem equilibradas. SANEAMENTO BÁSICO, O FILME, seu quarto longa, repete o bom resultado. Não chega a ser tão interessante quanto O HOMEM QUE COPIAVA, seu mais bem sucedido projeto, mas ainda assim representa um grande progresso em relação ao simpático HOUVE UMA VEZ DOIS VERÕES ou ao curioso MEU TIO MATOU UM CARA. O importante, entretanto, é perceber que o próprio realizador se deu conta que estava começando a se repetir, e ao invés de se acomodar e seguir com o que estava dando certo, resolveu inovar e mudar as regras do próprio jogo. Desta forma, não há mais um narrador em off dividindo com o espectador os acontecimentos e um único protagonista em busca da garota amada. Só por esta inquietute, Furtado já sai ganhando!
Inspirado no arquétipo clássico da commedia dell'arte, SANEAMENTO BÁSICO, O FILME conta com oito personagens principais, todos envolvidos na construção de uma fossa pública na fictícia comunidade de Linha Cristal, no interior do Rio Grande do Sul. O problema é que cada um encara o projeto com um ponto de vista singular, buscando diferentes resultados. E nem sempre estes objetivos serão concordantes com os dos demais.
Marina (Fernanda Torres, repetindo a "Vani", de OS NORMAIS) quer a melhoria do saneamento na cidade para que o marido se cure de uma insistente micose. Joaquim (Wagner Moura, discreto) é o marido que deseja se curar e trazer sua vida sexual de volta à normalidade. Os dois vão à prefeitura solicitar dinheiro para a obra, e lá descobrem que a única verba disponível é para a realização de um vídeo de ficção, uma iniciativa do governo federal. Marcela (Janaína Kremer, do inédito AINDA ORANGOTANGOS), a funcionária, tem uma idéia: que tal usar esta grana para solucionar o problema da vila? Para isso, basta gravar uma história, com um roteiro que tenha o mínimo de sentido! O importante, segundo ela, "é não devolver o que já foi liberado!"
Silene (Camila Pitanga, ótima), irmã de Marina, topa ser a estrela do filme, e chama o namorado, Fabrício (Bruno Garcia, divertido), para emprestar sua câmera. Ele aceita participar, pois vê uma oportunidade de incrementar o turismo por ali - ele é dono do único hotel da cidade! O envolvimento de todos nas filmagens vai ficando cada vez maior e, com novas responsabilidades, decidem buscar alguém profissional! E encontram Zico (Lázaro Ramos, roubando cada cena em que aparece), um videomaker que vê nesta história sua chance de alcançar sonhos maiores. Paralelo a tudo isso estão os dois velhos, Otaviano (Paulo José, comovente), pai das meninas, e Antonio (Tonico Pereira, repetitivo), o amigo/inimigo ideal. Ambos, com suas rabugices, acabam contribuindo para o sucesso da empreitada.
Se há um defeito em SANEAMENTO BÁSICO, O FILME, é a impressão de ter sido feito um tanto às pressas. Há problemas de continuidade (na cena em que Zico e Marina conversam numa lancheria, em cada corte o pastel está num lugar diferente) e de estrutura (a longa seqüência da motocicleta parece estar descontextualizada, além de demasiadamente longa). Isso, no entanto, não chega a afetar no resultado final, que é muito positivo. Repleto de diálogos divertidíssimos, é quase impossível não se envolver com estes "inocentes" que acabam sendo levados pela atração da arte criativa. O problema imediato bate forte nos calcanhares de todos, mas como deixar de lado a imaginação e a fantasia quando esta começa a se fazer presente com uma força até então impensável?
A paixão pelo cinema, a política pública de investimentos culturais, a atenção dada pelas autoridades às necessidades básicas e urgentes e a lógica às vezes invertida estabelecida entre corpo (a higiene) e mente (a arte) são alguns dos pontos levantados com inteligência pelo realizador - Furtado é também roteirista. Com um bom desempenho do conjunto do elenco (apesar de seus altos e baixos) e uma trama enxuta, que surpreende pelo inusitado e convence pela simplicidade, é uma produção que tem tudo para conquistar um público fiel e entusiasmado. E, por que não, fazer deste um dos longas nacionais referenciais de 2007!

Saneamento Básico, o Filme, Brasil, 2007
(nota 7,5)

terça-feira, julho 17, 2007

TRANSFORMERS

Antes de mais nada, é bom deixar algo bastante claro: eu odeio Michael Bay! Este é, para mim, um dos piores diretores da Hollywood atual, que representa com exatidão tudo o que há de pior por lá: exageros desnecessários, enredos vazios e histórias tolas e previsíveis. Por isso, quando soube que ele dirigiria a versão para a tela grande do popular brinquedo dos anos 80, TRANSFORMERS, minhas expectativas foram lá embaixo. Após conferir o trailer, o que temia se confirmou: muitas explosões, robôs tecnicamente perfeitos, porém nada atrativos, e uma história aparentemente repleta de clichês. Só que eu estava esquecendo de uma coisa: quem está sentado na cadeira de produtor executivo é ninguém menos do que Steven Spielberg. E, acreditem: isso faz MUITA diferença!
TRANSFORMERS é o filme que Spielberg dirigiria caso houvesse tecnologia disponível 20 ou 30 anos atrás. Já que não foi possível, ele aguardou e, como acredita estar numa idade mais "madura" para este tipo de passatempo, deixou a bola para o jovem Bay. Mas não se enganem: a mão do realizador de E.T., OS CAÇADORES DA ARCA PERDIDA e JURASSIC PARK está por todo o longa. A esperança, agora, é de que o responsável pelos irritantes OS BAD BOYS e A ROCHA tenha ao menos aprendido a lição de como combinar diversão de primeira com bom humor em uma trama que não desrespeite a inteligência do espectador.
Não que a história narrada em TRANSFORMERS seja muito mirabolante. Pelo contrário, pode ser resumida em uma frase: duas raças de robôs extraterrestres - os "Autobots", do 'bem', e os "Decepticons", do 'mal' - fazem da Terra campo de batalha na busca por um Cubo milenar que pode decidir o futuro do Universo. Pronto, é isso, direto e simples. Alguns humanos acabam no meio da briga - um adolescente que só quer pegar a garota mais gostosa do colégio, um grupo de militares, cientistas e o próprio governo norte-americano. Uma conspiração no estilo "Arquivo X" chega a se desenhar, porém sem muito impacto. Ou seja, não há distração - vai-se logo ao que o público quer, gigantescos alienígenas robóticos destruindo meio mundo enquanto assistimos, confortavelmente, digerindo muita pipoca e refrigerante.
Alguns cuidados foram essenciais para o bom resultado do projeto: os roteiristas Alex Kurtzman e Roberto Orci (A LENDA DO ZORRO, MISSÃO IMPOSSÍVEL III) simplificaram a narrativa, porém sem torná-la banal. Conseguimos nos identificar com os personagens de carne e osso, perdidos no meio de um duelo de gigantes. Toda a fotografia do filme é feita sob o ponto de vista humano, o que contribui no nosso sentimento de estarmos, literalmente, dentro do filme - em alguns momentos vemos apenas as pernas dos robôs, em outros a explosão já em andamento! Os efeitos especiais são de primeiríssima linha - cortesia da Industrial Light & Magic, de George Lucas - e, na grande maioria, a ação transcorre em céu aberto, muito bem iluminada e perfeitamente visível. E, acima de tudo, há muito bom humor, ironia e auto-crítica durante todo o desenrolar dos acontecimentos - nenhuma piada é perdida, mantendo alto o astral.
Outro elemento que dá muito certo é a aposta dos realizadores no novato Shia LaBeouf (visto em CONSTANTINE e no ainda inédito por aqui PARANÓIA). O rapaz foge do padrão consagrado de protagonista deste tipo de filme: não é particulamente bonito, nem musculoso ou descerebrado! Mas é, sim, muito simpático, engraçado e bom ator, conseguindo equilibrar a missão que acaba lhe sobrando com as tarefas de conquistar a mocinha e ainda livrar nosso planeta do extermínio. Simples, não? E o que se vê na tela é tão positivo que o próprio Spielberg já o escalou para o próximo projeto dele como diretor: LaBeouf será o filho de Harrison Ford em INDIANA JONES 4!
TRANSFORMERS é muito mais espetacular do que ARMAGEDDON, muito mais romântico do que PEARL HARBOR e muito mais futurista do que A ILHA, para ficarmos em termos de comparação apenas com as frustrações anteriores de Michael Bay. Divertido, empolgante e extremamente competente de acordo com o que se propõe, é um dos mais completos projetos do verão 2007, obtendo bons resultados tanto junto à crítica quanto com o público (mais de US$ 230 milhões nas bilheterias norte-americanas em menos de 10 dias!). Frases feitas, clichês inevitáveis, muito barulho e pouco conteúdo? Sim, tem tudo isso, mas também apresenta entretenimento extremamente bem realizado. E de vez em quando isso já tá mais do que bom, certo?

Transformers, EUA, 2007
(nota 8)

domingo, julho 15, 2007

PARIS, TE AMO

Todo longa composto pela a união de diversos curtas é, por definição, irregular. PARIS, TE AMO não foge desta sina, porém, felizmente, de modo muito positivo. A grande maioria dos curtas - são 18 no total - são excelentes! Claro, tem também alguns muito bons, outros somente bons, e uns dois ou três razoáveis. De fato, apenas um me decepcionou. Isso dá uma média excepcional, não?
Iniciativa da dupla de cineastas Tristan Carné e Emmanuel Benbihy (este responsável pela direção dos trechos de transição entre uma trama e outra), PARIS, TE AMO é o primeiro resultado de um projeto chamado "Cidades do Amor" - os próximos deverão ser sobre New York e Shanghai. E eles conseguiram recrutar, para esta "estréia", 21 cineastas das mais diversas nacionalidades, culturas, idades, tradições e gêneros. E o que temos é uma obra absurdamente envolvente, carismática, reveladora e instigante.
Em comum, os 18 enredos de PARIS, TE AMO têm o fato de se passarem cada um num bairro diferente da capital francesa e serem, todos, histórias de amor. O romance estará presente sob as mais distintas motivações: paixão, fraternidade, humanismo, nostalgia, carinho, saudade e até sobrenatural. Com um elenco impressionante e cineastas realmente empolgados com a proposta, tem-se um dos filmes mais encantadores dos últimos tempos, uma experiência inesquecível para todos aqueles que já se apaixonaram - por Paris ou não!

01. Montmartre
Dirigido, escrito e protagonizado pelo realizador grego Bruno Podalydès, mostra um homem que quer estacionar seu carro enquanto reflete sobre suas atitudes e sobre a própria vida. Um início tímido, que não faz jus a tudo que está por vir.

02. Quais de Seine
A diretora de origem indiana Gurinder Chadha (DRIBLANDO O DESTINO / "Bend it Like Beckham") fala da atração que surge entre um garoto francês e uma moça muçulmana. Estranhamento, compreensão e sinceridade caminham juntos neste simpático libelo de paz. A emoção começa a aflorar!

03. Le Marais
O norte-americano - e gay assumido - Gus Van Sant (GÊNIO INDOMÁVEL, ELEFANTE) é responsável pelo único episódio de tonalidade homossexual. Mas a trama vai além do óbvio desejo que surge entre dois rapazes. Espiritualidade, destino e à procura por uma alma gêmea, independente do corpo e sexo em que ela se apresenta, eleva a discussão. Um dos protagonistas é interpretado por Gaspard Ulliel, de ETERNO AMOR e HANNIBAL - A ORIGEM, e há também uma participação especial da cantora Marianne Faithfull (vista há pouco em MARIA ANTONIETA).

04. Tuileries
Os irmãos Joel e Ethan Coen (FARGO, O HOMEM QUE NÃO ESTAVA LÁ) criam o mais cômico dos segmentos. Steve Buscemi (CÃES DE ALUGUEL) é um turista que acapa no meio da pegação de um casal de namorados, numa estação de metrô. Despreocupado em querer passar grandes mensagens, diverte e entretêm.

05. Loin du 16e
Os brasileiros Walter Salles e Daniela Thomas, que juntos dirigiram TERRA ESTRANGEIRA e O PRIMEIRO DIA, contam em LONGE DO 16º DISTRITO com a colombiana indicada ao Oscar Catalina Sandino-Moreno (MARIA CHEIA DE GRAÇAS), neste que é um dos pontos altos do longa. Emocionante, simples e bastante direto, comove com palavras escassas e olhares de muitos significados. De cortar o coração.

06. Porte de Choisy
O australiano Christopher Doyle, diretor de fotografia de filmes como A DAMA DA ÁGUA e O AMERICANO TRANQUILO, responde pelo mais frustrante de todos os segmentos. Cabelereiras orientais, surrealismo, falta de nexo e a presença do diretor Barbet Schroeder (MULHER SOLTEIRA PROCURA) como ator contribuem para o fracasso da empreitada. Definitvamente o único evidente percalço do conjunto.

07. Bastille
A espanhola Isabel Coixet, dos tocantes MINHA VIDA SEM MIM e A VIDA SECRETA DAS PALAVRAS, fala da tentativa de um casal em crise de salvar a relação após descobrirem que a mulher está com câncer. As ótimas atuações de Miranda Richardson (PERDAS E DANOS), irreconhecível, e de Sergio Castellitto (SIMPLESMENTE MARTHA), por si só, já valem a conferida.

08. Place des Victories
O diretor japonês Nobuhiro Suwa joga nos ombros da sempre excelente Juliette Binoche (O PACIENTE INGLÊS) a responsabilidade de nos conduzir pela dor e sofrimento de uma mãe que sofre pela morte recente do filho. Tudo é tão sensível, delicado e bem exposto que nem um Willem Dafoe (HOMEM-ARANHA) como cowboy consegue estragar!

09. Torre Eiffel
Sylvain Chomet, da adorável animação AS BICICLETAS DE BELLEVILLE, nos mostra a história de amor que surge entre dois mímicos. Divertida, terna e muito bem humorada, traz um pouco de luz após o baque dramático do episódio anterior.

10. Parc Monceau
O mexicano Alfonso Cuarón (E SUA MÃE TAMBÉM) continua explorando as possiblidades de um plano-seqüência, muito bem exemplificadas no seu último filme, FILHOS DA ESPERANÇA, neste encontro de um pai (Nick Nolte, de HULK) com sua filha adolescente (Ludivine Sagnier, de 8 MULHERES). Curioso.

11. Quartier des Enfants Rouges
O diretor francês Oliver Assayas (CLEAN, ALICE & MARTIN) esfria as emoções nesta análise distante sobre o relacionamento que poderá surgir (ou não) entre uma atriz norte-americana (Maggie Gyllenhaal, de SECRETÁRIA) e o rapaz que lhe irá conseguir a droga que está buscando.

12. Place des Fêtes
O sul-africano Oliver Schmitz, apesar de até então só ter trabalhado em televisão, entrega o mais emocionante e triste de todos os episódios. Impossível não se comover com o amor que surge entre uma paramédica e um emigrante esfaqueado em praça pública. Nem sempre a pessoa pela qual esperamos toda uma vida chega à tempo para podermos desfrutar da companhia dela, mas ao menos estes dois protagonistas conseguiram cruzar seus olhares, nem que por meros segundos. Extremamente romântico, chocante e muito bem construído, traz esperança e desespero na mesma medida. Uma obra-prima!

13. Pigalle
Assim como "Bastille", esse aqui também vale de antemão já pelos protagonistas, a fabulosa Fanny Ardant (CALLAS FOREVER) e o divertido Bob Hoskins (MONA LISA). Com direção do norte-americano Richard Lagravenese (FREEDOM WRITERS), é uma interessante abordagem sobre a redescoberta do amor durante a maturidade, tendo à frente um casal que inventa um jogo particular para manter acesa a paixão entre eles no bairro mais sexual de Paris. Provoca a curiosidade do espectador ao mesmo tempo que brinca com a nossa própria inteligência. Muito bom!

14. Quartier de la Madeleine
O diretor e roteirista Vincenzo Natali não esconde seu passado de diretor de arte no mais visualmente interessante de todos os episódios, nesta trama de vampiros e turistas desavisados que atrai mais pela aparência do que pelo conteúdo. Mesmo assim, é uma brincadeira curiosa. Como protagonista, Elijah Wood (O SENHOR DOS ANÉIS).

15. Père-Lachaise
O diretor Wes Craven (A HORA DO PESADELO, PÂNICO) deixa de lado seu passado de monstros e assassinos para mostrar os humores que conduzem um casal (Rufus Sewell, de O ILUSIONISTA, e Emily Mortimer, de MATCH POINT) pelos corredores do popular cemitério do título. O roteiro muito bem elaborado, os diálogos marcantes e uma aparição do cineasta Alexander Payne como o escritor Oscar Wilde fazem deste, surpreendemente, um dos melhores do conjunto. Um feito e tanto!

16. Fauborg Saint-Denis
O alemão Tom Tykwer (CORRA, LOLA, CORRA e O PERFUME) tem a ótima Natalie Portman (CLOSER - PERTO DEMAIS) como protagonista de um amor que surge entre uma atriz iniciante e um jovem cego. A montagem instigante e o desenrolar da ação garantem o interesse do espectador, nesta trama que combina juventude, surpresas e uma ótima conclusão.

17. Quartier Latin
O astro francês Gerard Depardieu faz uma das suas raras aparições como diretor (ele também interpreta um personagem codjuvante), ao lado do colega Frédéric Auburtin. Os dois mostram como é difícil apagar a chama da paixão mesmo após anos de relação, de sofrimentos mútuos e outros constrangimentos. Os veteranos Ben Gazarra (DOGVILLE) e Gena Rowlands (DIÁRIO DE UMA PAIXÃO) conduzem um diálogo ferino, que esconde feridas não cicatrizadas e um carinho que transcende aparências. Muito bonito.

18. 14º Arrondissement
PARIS, TE AMO encerra com chave de ouro com a paixão que faltava: a pela própria cidade! Alexander Payne (SIDEWAYS, AS CONFISSÕES DE SCHMIDT) mostra uma turista norte-americana narrando seus passeios solitários pela capital francesa. É triste e comovente, tocante e melancólico, mas ainda assim muito bem-humorado e sensível. O roteiro é genial, e a interpretação de Margo Martindale (MENINA DE OURO) impressiona pela simplicidade. Fantástico!

Apesar de propositalmente fragmentado, como uma colcha de retalhos construída em momentos, intenções e situações específicas e distintas entre si, PARIS, TE AMO comprova que a multiplicidade desta criação coletiva consegue ser superior à soma de suas partes separadas. Uma visão global de uma das cidades mais lindas do mundo, que tem o mérito de fugir das obviedades - não vá esperando um passeio turístico pelas ruas e pontos turísticos parisienses - apostando em sentimentos universais e facilmente identificáveis. Simplesmente genial!

Paris, Je T'Aime, França/Alemanha/Suíça/Lichtenstein, 2006
(nota 10)


quarta-feira, julho 11, 2007

HARRY POTTER E A ORDEM DA FÊNIX

Quando O PRISIONEIRO DE AZKABAN estreou, em 2004, a crítica foi unânime em afirmar que a saída do diretor Chris Columbus, que havia comandado os dois primeiros filmes da série (A PEDRA FILOSOFAL, de 2001, e A CÂMARA SECRETA, de 2002) tinha sido positiva, pois finalmente um "autor" assumiria as transposições dos romances da autora J.K.Rowling para a tela grande - no caso, o mexicano Alfonso Cuarón, recém saído do premiado E SUA MÃE TAMBÉM e que recentemente esteve de volta com o subestimado FILHOS DA ESPERANÇA. E o comentário geral sobre o terceiro filme era que haviam acabado as aventuras infantis e que a trama finalmente assumia um aspecto mais sério, dramático e perturbador. Mas essa não é uma característica específica deste filme ou dos seguintes: é, sim, da própria trama básica e de seus personagens. Afinal, o protagonista é um menino que sobreviveu a um ataque mortal contra os próprios pais e que traz marcado na testa esta tragédia. E, desde o princípio, ficou claro que este vilão estaria voltando, se recuperando, e que os acontecimentos futuros ficariam cada vez mais soturnos e assustadores. E se O CÁLICE DE FOGO, de 2005, intensificou este sentimento, o novo A ORDEM DA FÊNIX elimina de vez qualquer dúvida, comprovando porque HARRY POTTER é uma das sagas cinematográficas mais elaboradas, bem cuidadas e interessantes do atual cinema hollywoodiano.
O cenário apresentado logo no início deste quinto filme não é nem um pouco motivador: após a morte de Cedrigo Diggory no final do longa anterior, a notícia de que o perigoso Lord Voldemort estaria de volta foi espalhada por Harry e Dumbledore, diretor da Escola Hogwarts. Mas o Ministro da Magia duvida da informação, por razões políticas, e faz de tudo para desacreditá-los publicamente. O que acontece é que ninguém no mundo mágico se prepara para os tempos nebulosos que estão por vir, e tudo piora quando as aulas recomeçam. O Ministério envia a subsecretária Dolores Umbridge para assumir como professora e voz do governo dentro da instituição. A interferência dela será gradativamente maior, a ponto de destituir outros mestres e até mesmo Dumbledore. Além de se preocuparem com seus futuros pessoais, Potter a amigos terão que lidar com uma situação completamente adversa num lugar que até então lhes era um porto seguro.
David Yates, o diretor, estréia com este projeto na tela grande - até então havia trabalhado apenas na televisão. E, assim como Columbus, é um competente executor de ordens, mas está longe de apresentar uma visão original e inventiva a respeito da trama que se dispõe a narrar. O que vemos, portanto, é uma apressada sucessão de eventos, muitos deles desconexos entre si, que fazem mais sentido para aqueles já familiarizados com o contexto literário. Aliás, A ORDEM DA FÊNIX é o maior e todos os livros (cerca de 700 páginas), e o mais curto dos filmes (enxutos 138 minutos). Resultado? Muita coisa ficou de fora, mantendo apenas o essencial do enredo principal. Claro que o trabalho de adaptação é primordial, e a grande maioria dos fatos é bastante compreensível, mas é quase impossível deixar de lamentar a falta de passagens muito interessantes apresentadas na obra literária. Se ao menos servir para aumentar a curiosidade sobre o livro, já terá valido a pena!
Diferente de outros blockbusters deste ano, como os terceiros episódios de HOMEM-ARANHA, PIRATAS DO CARIBE e SHREK, HARRY POTTER chega agora ao quinto filme ainda trazendo consigo novidades e comovendo tanto fãs quanto curiosos. Se até a metade tudo se desenvolve com uma certa pressa, mais para o término o longa finalmente revela seus méritos, em uma conclusão absolutamente fantástica, envolvente e dramaticamente precisa. O espectador fica na ponta da cadeira, torcendo por cada nova reviravolta ou acontecimento. É, sem sombra de dúvidas, o melhor dos "filmes de verão 2007", destes fenômenos de público da temporada. Mesmo não sendo superior às duas aventuras anteriores, mantém em alta a série.
Os parabéns se devem principalmente aos produtores, que conduzem cada novo episódio com um olhar bem direcionado a respeito do que buscam e do que esperam conseguir, e dos atores, todos em ótima forma, desde o trio juvenil Daniel Radcliffe - Emma Watson - Rupert Grint (Harry, Hermione e Rony) até o elenco adulto, em destaque para a novata neste universo Imelda Staunton (O SEGREDO DE VERA DRAKE) e para o cada vez melhor Michael Gambon, além, é claro, das ótimas participações de Ralph Fiennes, Emma Thompson, Maggie Smith, Alan Rickman, Helena Bonham-Carter, Gary Oldman, David Thewlis, Jason Isaacs, Robbie Coltrane, Fiona Shaw e Julie Walters (ufa!). A cada instante uma nova surpresa, um novo deslumbre, mais um encanto. HARRY POTTER E A ORDEM DA FÊNIX é perfeito em praticamente todos os propósitos a que se dedica, mesmo sendo nitidamente um produto calculado para dar certo em todos estes mesmos quesitos. É entretenimento básico, honesto e competente. Sorte nossa que ainda restam dois livros!

Harry Potter and the Order of the Phoenix, EUA/Reino Unido, 2007
(nota 8,5)

terça-feira, julho 10, 2007

RATATOUILLE

Em uma entrevista recente, o diretor Brad Bird relatou as idéias que surgiram em uma das primeiras reuniões que tiveram no início da Pixar Animation, num brainstorm para futuros projetos de longas-metragens: bonecos que ganhavam vida quando o dono os deixavam sozinhos, o mundo fantásticos dos insetos, monstros da imaginação infantil e... um ratinho que sonhava em ser chef de cozinha! Se os primeiros deram certo e geraram ótimos filmes - TOY STORY, VIDA DE INSETO, MONSTROS S.A. - por quê o último não funcionaria também? O resultado vemos agora: RATATOUILLE é igualmente um sucesso de público e de crítica, mas evidencia além da técnica os motivos que causaram tanta hesitação entre seus criadores.
A trama de RATATOUILLE é muito simples: um ratinho, cinza, feio e peludo, está cansado de viver no lixo e sonha em ir para Paris e descobrir todos os sabores existentes no lugar com a melhor culinária do mundo! Bem ou mal ele acaba chegando lá, formando por acaso parceria com um aprendiz de cozinha desastrado. Tudo o que o rato sabe, o garoto desconhece. Juntos, porém, acabam fazendo fama e devolvendo o restaurante em que atuam a antiga popularidade. Outros elementos, como a saudade e lealdade perante à família (o pai, o irmão e os demais amigos acabam ficando para trás quando o protagonista decide virar cozinheiro), honestidade (quem é o verdadeiro dono do negócio?) e até crítica (culinária e, por quê não afirmar, artística em geral) são debatidos em cena. Ganha, com esta diversidade, o espectador adulto. Por outro lado, os mais baixinhos talvez se cansem um pouco.
Essa nova produção da Pixar ao lado dos Estúdios Disney é menos movimentada que os filmes anteriores da casa, principalmente do que o primeiro longa do diretor - OS INCRÍVEIS, de 2004. Por outro lado, o desenvolvimento intelectual da história é mais fundamentado, deixando de lado reviravoltas previsíveis e personagens unidimensionais em favor de uma estrutura mais orgânica, dinâmica e consciente. As motivações são todas muito bem exploradas, nada é raso, e até o mais cego dos vilões tem suas razões justificadas. Neste meio tempo, sobra um olhar mais ácido em relação àqueles que deturpam à arte em nome de um "bem maior" e neste processo acabam esquecendo dos seus objetivos primordiais: entreter, educar e gerar prazer.
Entretanto, nem tudo é "ouro" em RATATOUILLE. Se os méritos da obra são diversos, há também alguns problemas estruturais difíceis de ignorar. E o mais básico de todos é evidente: como deixar de lado o fato de que se está falando de um rato invadindo a cozinha e tratando com alimentos? Mesmo atento a detalhes como "as mãos devem estar sempre limpas", é particularmente complicado quando presenciamos um exército de roedores preparando um banquete. As mensagens de que todo sonho é possível se acreditarmos o suficiente, de que unidos vamos mais longe e de que os valores éticos e morais se trazem de casa são muito bonitas, necessárias e pertinentes no contexto global em que vivemos, mas bem que aqueles que aqui a ilustram - e isso não é uma apologia ao politicamente correto, por favor! - poderiam ser mais, digamos, palatáveis!

Ratatouille, EUA, 2007
(nota 8)